O texto contém as impressões dos quatro primeiros episódios de Desventuras em Série.
Se divertir com o sofrimento das crianças Baudelaire faz de mim uma pessoa terrível, assim como alertou o marketing da Netflix. Mas a verdade é que Desventuras em Série é irresistivelmente cativante e terrivelmente cruel. Não que Violet, Klaus e Sunny mereçam passar pelos inúmeros infortúnios durante a jornada, mas é inegável que a curiosidade sempre fala mais alto nesses momentos.
Adaptando os livros escritos por Daniel Handler (sob o pseudônimo de Lemony Snicket), a nova série da Netflix acerta ao criar um ambiente que agrada crianças e adultos da mesma forma. Com toda a tranquilidade que o formato episódico fornece, Desventuras em Série tem tempo e espaço para desenvolver seus personagens, dos principais aos secundários. Diferente do longa, onde a figura de Jim Carrey assume o protagonismo, aqui existe uma melhor divisão de importância.
O aspecto técnico chama a atenção logo nos primeiros minutos do episódio piloto, indicando que essa é uma marca característica da série. Com doses de surrealismo, o mundo de Desventuras em Série vai sendo construído com ângulos retos, simetrias e cenários artificiais. O contraste entre as paletas de cores também funciona como uma ferramenta para contar a história, definindo de forma eficiente a personalidade dos personagens e a urgência das situações apresentadas.
Tudo de positivo ao redor dos Baudelaire possui cores vivas e marcantes, indicando também seu humor e estado de espírito. Já as cenas com Conde Olaf alternam bruscamente para tons escuros, monocromáticos. Como uma nuvem cinza que estraga um dia ensolarado. Não existe exemplo melhor como a casa deprimente de Olaf e o lar impecável da juíza Strauss, uma de frente para a outra. É como um encontro entre Wes Anderson e Tim Burton (guardadas as devidas proporções).
O humor ácido de Desventuras em Série também marca presença, garantido os melhores momentos de interação entre os personagens, especialmente com Conde Olaf e os Baudelaire. Uma metralhadora de metalinguagens, com diálogos inteligentes e rápidos. Mas também existe uma tensão lancinante aqui, especialmente quando o grande vilão da série deixa seu lado mais sombrio florescer.
Mas nada disso funcionaria se as atuações não estivessem afiadas. Neil Patrick Harris gasta todo o seu talento teatral para viver o Conde Olaf, entregando um de seus trabalhos mais difíceis e divertidos. Afinal, Olaf é um amante dos disfarces e Harris precisa interpretar todas as identidades utilizadas pelo vilão, mas sem perder suas principais características.
Já Louis Hynes, Malina Weissman e a fofíssima Presley Smith não sentem o peso dos primeiros grandes papéis de suas carreiras. A química entre eles é palpável e funciona para cativar o público nos momentos certos. Outra presença divertida é a de Patrick Warburton como Lemony Snicket, agindo como um guia por todo esse infortúnio.
Desventuras em Série tem tudo para agradar os fiéis leitores da saga de Daniel Handler, assim como aqueles que não estão familiarizados com a história. Um terrível acerto da Netflix, que parece ignorar o sofrimento de Violet, Klaus e Sunny.
Obs: o marketing da série está impecável. Basta acompanhar a página no Facebook para se divertir, ou não, com todos os posts.
Obs 2: talvez seja melhor você ouvir o conselho dado durante a brilhante abertura e procurar algo mais feliz para assistir. Os Baudelaire não merecem tanto sofrimento.