Mostrando todo o poder que uma boa jogada de marketing pode ter, He-Man e os Mestres do Universo foi um estrondoso sucesso ao longo de seus 130 episódios lançados entre 1983 e 1985. Habitando o dia a dia das crianças de boa parte do mundo, as aventuras do príncipe Adam renderam milhões em venda de brinquedos. E como toda boa fonte de dinheiro, não tardou para que ela fosse explorada de outras formas. Em 1985, a série animada ganhou um spin-off intitulado She-Ra: Princesa do Poder, que durou até 1986 e teve 93 episódios lançados. Trocando em miúdos, um He-Man para fisgar o público feminino.
Por isso, foi no mínimo curioso acompanhar toda a onda de ódio que surgiu quando a Netflix divulgou a primeira imagem oficial do reboot agora batizado de She-Ra e as Princesas do Poder. Felizmente, nada disso interfere no satisfatório desenvolvimento dessa primeira temporada. Aliás, é possível afirmar que She-Ra e as Princesas do Poder mantém o respeito para com a obra original ao mesmo tempo que consegue atualizar sua abordagem. Mesmo com algumas dificuldades pelo caminho.
Na trama, encabeçada por Noelle Stevenson e J. Michael Straczynski (co-criador da personagem principal), Adora (Aimee Carrero) é uma capitã da guarda do terrível vilão Hordak (Keston John) que acaba encontrando uma espada mágica que faz com seus olhos enxerguem a verdade por trás dos planos da Horda. Desiludida com seu caminho, ela decide juntar forças com a princesa Cintilante (Karen Fukuhara) e com bravo soldado Arqueiro (Marcus Scribner) para lutar pela salvação de Etérea. Para isso, ela vai precisar dos poderes de She-Ra. Em primeiro lugar, é importante destacar o quanto a série busca se afastar de He-Man. Apesar de várias menções a Grayskull e Eternia, a primeira temporada opta por desenvolver-se de forma independente. Isso também inclui algumas mudanças visuais, como o famigerado short utilizado pela Princesa do Poder. Que no fim das contas não passa de um detalhe insignificante.
Ainda no quesito do design, todos os personagens possuem características próprias. Diferente de He-Man e da primeira versão de She-Ra, onde o mesmo molde era utilizado em todo mundo, aqui cada um tem seu próprio corpo. Adora ganhou traços mais humanizados, Cintilante é mais gordinha e baixinha e o Arqueiro passa longe de ser um fisiculturista. Isso acrescenta pluralidade em tela, evitando assim uma fadiga visual. Até mesmo She-Ra ganha mais destaque como uma mulher de dois metros de altura, roubando a atenção em qualquer ambiente. Esses contrastes visuais também estão presentes no núcleo do mal, com Hordak e Sombria (Lorraine Toussaint) ganhando ótimas repaginadas. A própria criação do universo da série é baseada nessa atualização, adotando um estilo “tecno-mágico” bastante agradável.
O principal ponto positivo, no entanto, é a forma como She-Ra e as Princesas do Poder lida com a questão da inclusão. Especialmente no relacionamento entre Adora e Felina (AJ Michalka). Com um subtexto inteligente, a temporada constrói de forma plausível a longa convivência entre elas, afetada pela mudança de lado de Adora. Esse cabo de guerra de amor e ódio eleva o desenvolvimento das personagens. Essa inteligência faz com que temas sociais importantes sejam tratados de forma orgânica dentro dos episódios. Evitando assim que o discurso se destaque mais do que a trama. O que certamente afetaria o resultado final.
No entanto, nem tudo funciona na primeira temporada. A história leva um bom tempo para engatar de verdade, tornando os primeiros episódios um árduo exercício de paciência. Os demais personagens também sofrem com um desenvolvimento patético. Como o título deixa claro, existe um núcleo de princesas e uma missão para reuni-las em torno da rebelião. Mas as que aparecem pouco tem a dizer, já que a trama não oferece espaço para tal crescimento. Sem falar no entra e sai de personagens em momentos oportunos. Pode ser exagero cobrar tanto de um produto voltado para um público mais jovem, mas são pontos que incomodam bastante.
Superando todas as prematuras polêmicas, She-Ra e as Princesas do Poder entrega uma primeira temporada satisfatória, especialmente nos aspectos visuais. Mas que precisa corrigir equívocos narrativos se quiser ter uma vida longa. Respeitando o material original, mas sem apelar para o saudosismo, esse é mais um bom fruto da parceria entre a DreamWorks Animation Television e a Netflix. Uma pena para quem ainda continua batendo a cabeça na parede por causa desse reboot ¯\_(ツ)_/¯