A produtora A24 tem revelado ótimos talentos na direção e roteiro de seus filmes de terror, com lançamentos que fogem do padrão comercial de tramas genéricas com personagens rasos e excesso de jumpscares. Responsável por projetos como “A Bruxa”, “Ao Cair da Noite”, “O Sacrifício do Cervo Sagrado”, dentre outros, o último lançamento da produtora foi Hereditário, dirigido e roteirizado pelo estreante Ari Aster. No longa, Aster demonstra como uma história com elementos sobrenaturais pode ser contada de forma profunda e surpreendente, repleta de detalhes intrigantes que vão se revelando aos poucos e personagens muito bem estruturados numa atmosfera crível e perturbadora.
O filme se inicia com uma nota de falecimento da matriarca da família central da trama. Esta mulher, cuja vida pessoal guardava muitos segredos, alimentava um fascínio incomum por sua neta, Charlie. Após o velório de sua avó, Charlie passa a agir de maneira estranha e ser atormentada por vozes e visões. Estes fenômenos aliados a trágicos eventos posteriores anunciam o colapso eminente daquela família, cujos segredos são revelados gradualmente, embora detalhes importantes estejam presentes desde os primeiros minutos de filme, fazendo-nos repensar toda a história após contemplarmos seu impactante e elucidativo final.
A família em questão é composta por Annie (Toni Colette), filha da matriarca falecida, casada com Steve (Gabriel Byrne) e mãe dos adolescentes Charlie (Milly Shapiro) e Peter (Alex Wolff). Estes personagens são muito bem desenvolvidos ao longo da trama, com enfoque especial para Annie, Peter e Charlie, cuja relação delicada é muito bem explorada em diversas cenas. As ótimas atuações contribuem bastante para a credibilidade dos personagens, que, ao contrário do que se observa em diversos filmes do gênero, tem reações condizentes com as situações pelas quais estão passando e não tomam atitudes estúpidas ou incoerentes.
No quesito terror, “Hereditário” tem uma abordagem extremamente sugestiva, e faz isto de forma magistral, explorando estratégias visuais e auditivas em detalhes que inicialmente não parecem querer dizer nada, mas que convidam o espectador atento a estabelecer interessantes conexões ao decorrer da história e especialmente em seus minutos finais, quando os elementos sobrenaturais se tornam mais explícitos. A atmosfera ocultista é muito bem desenvolvida e representada no filme, que procurou transmitir com certa fidelidade os elementos da intrigante mitologia abordada, além de procedimentos rituais e práticas mágicas, inserindo diversos simbolismos e dicas que podem ser reconhecidas por um estudioso do assunto.
O longa possui pouco mais de 2 horas de duração, o que é relativamente incomum para a maioria dos filmes do gênero que chegam aos cinemas. No entanto, este tempo é muito bem utilizado, favorecendo o desenvolvimento dos personagens e da atmosfera de mistério, e desta forma prendendo o espectador, que passa a se identificar e se importar com a vida dos personagens representados, e mantem-se curioso com o que está por vir. Elementos narrativos que compõem os personagens, como o fato de Annie trabalhar viciosamente fazendo miniaturas muitas vezes baseadas em cenários do próprio filme, enriquecem a atmosfera sugestiva da história, dando margem a diferentes interpretações. O clímax da trama se dá nos seus 10 minutos finais, lembrando muito o final arrebatador de “A Bruxa”. No entanto, ao meu ver, a cena final de “Hereditário” peca apenas por ser muito explicativa nos poucos minutos antes dos créditos, expondo de forma verbal o que está acontecendo, o que quebra a sensação impactante que o macabro visual provoca no espectador.
“Hereditário” é uma produção muito interessante, recomendada tanto para o fã de terror quanto para qualquer pessoa que busque uma história macabra, bem elaborada e com personagens bem estruturados. Algumas críticas estão exaltando este filme de forma exagerada, considerando-o “O Exorcista” desta geração, no entanto ele com certeza está entre os melhores do ano até o momento. Já comparando-o com “A Bruxa”, “Hereditário” tende a satisfazer mais o público geral, por ser mais explícito, ter um ritmo mais intenso e tratar de um tema mais recorrente do que o referido filme que ainda sofreu de um marketing equivocado. Boa parte do marketing, porém, é condizente com o que nos é apresentado no filme. O espectador só deve ter cautela para não exagerar nas expectativas e assim aproveitar bem um ótimo filme de terror.