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Crítica | A Forma da Água é mais uma magnum opus de Del Toro

Por Luke Muniz

Com 13 indicações ao Oscar, incluindo de: “Melhor Diretor“, “Melhor Filme” e “Melhor Roteiro Original“, “A Forma da Água” é mais uma magnum opus oriunda da mente singular de Guillermo Del Toro (escritor e diretor do longa). Uma belíssima fábula que nos encanta em uma narrativa visual bem orquestrada e uma verdadeira ode ao amor dito impossível.

Guillermo Del Toro fez sua fama e carreira em cima da sua paixão por monstros, criaturas e histórias fantásticas. Possui uma ótica sensível e ímpar no quesito de tratar com essa temática, desde o designer dos seres e dos locais até a suas psiquês. Tornando tudo bastante verossímil. Da ação por ação, até os debates profundos e dos paralelos com nossa vida cotidiana, como toda boa fantasia faz.

A Forma da Água” possui um roteiro que inegavelmente se inspira na história da “Bela e a Fera“, seguindo sim o seu tom de fábula, porém, destaca-se aqui diversas nuances e discussões mais aprofundadas, como por exemplo: Aceitação de si e do outro, preconceito, conservadorismo. Mas nunca perdendo o caráter que se propõe a ter. Não há porque dizer que é uma história que vá conter vários elementos que deixem o espectador se perguntando: “o que vai acontecer a seguir?“, é uma linha que é previsível, mas isso não diminui a obra em aspecto algum, seria “apenas” uma sofisticação de roteiro que na visão do diretor, não fosse necessária, se preocupou com outros fatores.

Mostrando o esmero que há no filme, a sequência de abertura já nos apresenta toda a leveza, dinâmica e elegância dos 123 minutos de projeção. Os diálogos são excelentes, não dando espaço para trivialidades (quem assistiu, vai pegar essa), são profundos e sempre remetendo aos temas que pairam a história.

E destaque mesmo para os diálogos, nossa protagonista, Elisa (Sally Hawkins) é muda e se comunica através de libras, e aí mora ainda mais a complexidade e beleza da relação que vem a ser construída e que é o foco do longa. Somando a isso, o trabalho de elenco é primoroso, levando em conta uma pessoa que se fala através das suas expressões faciais, corporais e manuais, e uma criatura de outra espécie que também só se comunica com seu corpo no geral, o resultado não poderia ser mais prazeroso e acertado. Compreendendo que o amor é um sentimento desconhecido, subjetivo e misterioso, podemos perceber que talvez quando encontrado, não seja tão desconhecido assim, Elisa e a Criatura (Doug Jones) provam isso através de seus olhares, e como um compreende o outro, mesmo não dizendo uma única palavra falada. É um trabalho puramente de expressão.

É impressionante o compreendimento e comprometimento de Jones em encarnar a Criatura, ela é palpável, esquisita e possui seus trejeitos e particularidades. Sem falar da maquiagem fantástica usada pelo personagem. Del Toro faz questão de usar o mais manual possível. Se o anfíbio fosse realizado por captura de movimento em CGI, seria com absoluta certeza bem menos verdadeiro que com maquiagem real e perderia metade da imersão na obra. O amor e a paixão que floresce na humana e na fera é doce e singelo, por vezes, gráfico, possuindo cenas de nudez e deixando claro a intenção e realização do sexo. É um sentimento erotizado mas não deixando que esse elemento supere a doçura, na verdade, vem em complemento dela.

Coronel Strickland (Michael Shannon) tem uma presença aterrorizante e preenche a cena onde ele está com agonia, tensão e medo. Ele é expressivo, nocivo e carrega consigo o patriotismo que segue em justificativa dos seu atos medonhos. É fácil entender o caráter do personagem de Shannon logo quando aparece pela segunda vez, ele carrega um cassetete cheio de aparatos para tortura, é expositivo e eficiente. Giles (Richard Jenkins) é o melhor amigo de Elisa, ele também possui um papel de levantar as questões de aceitação e compreensão do próximo, é bem de menor peso, mas ainda sim cumpre uma função significativa, há uma cena numa lanchonete que deixa bem claro isso. Ele possui carisma e fica responsável por parte do alívio cômico do longa, que é bastante efetivo e que aparece pontualmente.

Sally Hawkins não poupa talento e devoção ao seu papel. Ela é tímida, corajosa, espontânea, carismática e engraçada, ressaltando novamente, tudo isso sem dizer uma única palavra. Aliás, destaque para uma cena belíssima e que se passa em um devaneio de Elisa, um musical de tevê que faz uma quebra, mas que é magnífico, desde a música até a montagem que constrói o momento. Octavia Spencer (Zelda) é a melhor amiga de Elisa e tem papel que é de certa forma fundamental, mas claramente não exige tanto da atriz, porém, possui presença em cena.

O design de produção, fotografia e cinematografia são impecáveis. Do ponto de vista estético e narrativo, constrói e preenche tudo que as cenas necessitam. A paleta de cor do filme mora no verde para um azul mais leve, o verde exalta o tom de esquisito, marinho, tóxico, e o azul realça a leveza e a pureza do que acontece, tudo isso transitando com sutileza. -há até uma piada que fica a cargo de Strickland, sobre a cor verde, é bem pontual, e funcional- Somado a isso, temos uma câmera ágil e que não se exalta, ela é paciente e aprecia todos os elementos que compõe a sequência, desde uma escada no fundo do plano principal, tudo é mantido em foco, tudo é importante, tudo é composição, tudo é imersão para tornar verídico.

A trilha sonora é encantadora, é sutil, apaixonante e memorável. É a cereja em cima do bolo por muitas das cenas, sem a presença de uma trilha eficaz, seria prejudicial. Ela é feroz nos momentos de tensão e ausente quando necessária. Totalmente parte integral da obra como um todo.

A Forma da Água” é belo, encantador, charmoso, com estética impecável e com personagens marcantes. Sabe seu tom e passeia com bons diálogos e expressões uma fábula apaixonante e emocionante. Deixando o seu espectador encantado e maravilhado como um “filme de monstro” pode ser tão doce e estupendo.