Crítica | Black Mirror: Bandersnatch

Com uma visão crua e muitas vezes pessimista da relação entre homem e tecnologia, Charlie Brooker fez de Black Mirror um marco recente da cultura pop. Vivendo primeiro do boca a boca e posteriormente recebendo os holofotes da Netflix, a série alcançou o merecido sucesso. Mas, apesar das mais variadas abordagens, o show ainda não havia adentrado em uma vertente tão presente no nosso cotidiano: a interatividade. Deixar o espectador assumir o controle, ou algo desse tipo. Bom, isso agora é possível com Black Mirror: Bandersnatch. Em determinados níveis, é claro.

Na trama base do filme, acompanhamos a vida de Stefan Butler (Fionn Whitehead) um jovem desenvolvedor de games que está empenhado em transformar o livro interativo Bandersnatch em um jogo de sucesso. É com essa premissa que trabalhamos durante todo o tempo em que devemos escolher os próximos passos de Stefan na tela, dos mais simples até os mais perturbadores. A direção é de David Slade, que produziu e dirigiu episódios de séries de sucesso como Hannibal e Deuses Americanos. Mesmo que os caminhos já estejam determinados, a história necessita do grau de interação do público para funcionar. O que pode cativar e afastar o espectador na mesma intensidade.

Embora seja uma comparação injusta, o sistema de escolhas funciona basicamente como um jogo (algo presente em Detroit: Become Human, Until Dawn e outros). As primeiras interações funcionam como um teste, até que você esteja diante de dilemas aparentemente complexos. Para tirar o espectador da zona de conforto, uma tela especial surge com um indicador de tempo e uma trilha sonora que vai se intensificando enquanto os segundos passam. Ainda que divirta no início, logo os problemas dessa experiência surgem e atrapalham um pouco a imersão. Black Mirror: Bandersnatch não é tão libertador quanto aparenta, nos obrigando a seguir linhas narrativas em certos momentos.

Se suas escolhas saírem muito dos trilhos, o sistema força o retorno para o momento em que você selecionou a “opção errada”. Como uma segunda chance para te mostrar tudo que está programado e explorar todo o roteiro. Desse modo, a experiência pode acabar em alguns minutos – forçando assim o recomeço – como se estender por horas. É a ilusão do poder sendo colocada em prática. Oficialmente existem cinco finais, porém, com um número considerável de caminhos até eles. Em determinados momentos, a Netflix oferece a opção da metalinguagem. Com os personagens fazendo longos discursos sobre forças universais que controlam suas escolhas, no caso os espectadores. Quando adquire noção disso, Stefan até recusa alguns comandos. Mas nada que dure tempo bastante para ser realmente interessante.

Voltando para a trama, o roteiro escrito por Charlie Brooker se diverte ao jogar as mais variadas referências na cara do espectador. Desde episódios de temporadas passadas até outros elementos da cultura pop. Ao mesmo tempo em que cria uma mitologia própria, com direito a mockumentary e uma espécie de maldição. Black Mirror: Bandersnatch ainda trata sobre livre-arbítrio, dimensões paralelas, viagem no tempo e etc.

Mesmo que esteja longe de ser revolucionário, Black Mirror: Bandersnatch oferece uma experiência satisfatória no resumo da obra (dependendo do seu nível de expectativa). Além de abrir espaço para que a premissa seja aplicada nos mais variados gêneros, levando assim ao aperfeiçoamento. Imagine só o quanto um filme de terror deve ficar alucinante com essa ferramenta.