De todas as modinhas que a indústria de jogos trouxe aos holofotes nos últimos anos, o bullet heaven foi a primeira a me pegar de jeito. Popularizado pelo já clássico Vampire Survivors, a ideia de você se usar o “inferno de balas” para destruir seus inimigos, ao invés de fugir de tantos projéteis, clica alguma coisa no meu cérebro e eu fico horas olhando aqueles espetáculos visuais sem problema. Entretanto, tão legal quanto jogá-lo é ver outras pessoas pelo mundo fazendo suas próprias versões da ideia — e como eu queria que o time de Crafty Survivors tivesse ido mais além do que ficar preso nas mecânicas de sua inspiração.
Ainda disponível em acesso antecipado, a ideia por trás de Crafty Survivors é muito legal: ao invés de heróis poderosos derrotando os monstros, temos pessoas comuns usando suas habilidades para tentar salvar sua vila (depois que os tais heróis poderosos sumiram do mapa). Esqueça guerreiros, arqueiros ou magos, porque suas opções ficam entre um cozinheiro, uma costureira, um pescador, e por aí vai.
Não só esses personagens têm visuais distintos, mas a forma de jogar com eles é completamente diferente por causa de suas habilidades especiais, numa veia parecida com o subgênero dos hero shooters, como Team Fortress ou Overwatch, onde cada herói, mesmo jogando nas mesmas fases, tem ações e possibilidades tão diferentes que forçam você a encarar os problemas de formas bem distintas.
O cozinheiro tem várias habilidades inspiradas em sua profissão, que implicam diferentes estados aos inimigos, e, ao preparar uma “comida completa” com eles (como um monstro que esteja cortado, temperado e cozido), ele carrega seu ataque final de “servir” os pratos. O escultor tem ataques básicos bem fracos, mas suas habilidades colocam madeiras e mármore pela fase, que, ao serem atacados, vão sendo entalhados em poderosas estátuas.
A costureira — a minha favorita, inclusive — coloca agulhas gigantes pelo chão a cada impulso de velocidade e passa um fio entre elas, que podem ser energizadas para atacar vários inimigos em sequência. Depois de tantos jogos do gênero cuja única coisa que muda são os ataques, ter formas completamente diferentes de jogar é um mérito enorme de Crafty Survivors e o grande ponto do título. O problema, pra mim, é que essa proposta não exatamente combina com a evolução roguelite que ele ainda insiste em trazer de outros bullet heavens.
Como cada personagem tem propostas tão particulares, eles também têm árvores próprias de habilidades, que fazem combos entre si de forma bem magistral… mas quando você precisa recomeçar do nível 0 toda vez, desbloqueando as mesmas cinco ações sempre, fica complicado de experimentar e se divertir com esse processo. O que torna Vampire Survivors tão especial, mesmo tendo personagens parecidos, é a possibilidade quase infinita de combinações e combos possíveis, o que não acontece por aqui.
Não que Crafty Survivors não dê formas de evoluir os personagens. Na verdade, cada run do jogo te dá uma série de recursos que pode ser usada para reconstruir a vila e seus prédios, não só liberando melhorias externas permanentes, como desbloqueando novos menus para escolher outros incrementos. Mas, mesmo assim, nada me põe na cabeça que seria mais legal poder ir evoluindo na árvore de habilidades de cada um, desbloqueando novas formas de jogar e entrando nas fases mais preparado e pronto para experimentar.
Até porque, mesmo esse processo da vila é bem monótono também. Os mapas usados para avançar na história e, principalmente, coletar recursos são bem pequenos e divididos em “estágios” — quando você vê, está na sexta fase visualmente igual (e levemente genérica), matando os mesmos monstros roxos pra tentar pegar todas as madeiras que precisa. Por mais que cada run seja bem mais curta que outros do gênero e você possa experimentar diferentes personagens em cada vez que jogar, ainda é bem complicado não sentir cansaço depois de algumas partidas.
Eu sei que parece contraditório, mas a forma que eu tenho para definir Crafty Survivors é “repetidamente único”. É tão divertido experimentar personagens tão distintos e ver como cada um deles muda o jogo a sua maneira. É tão divertido sair voando pelo mapa com a minha costureira e ver tudo acabar em trovão, ao passo em que meu cozinheiro estava preparando sobremesas na run anterior. Mas as influências dos bullet heavens existentes e suas progressões que sempre recomeçam acabam por minar a novidade e tornar essa experiência de descoberta um repetitivo e monótono trabalho. O jogo ainda está em acesso antecipado, então tudo que eu posso fazer é torcer para que ele entenda, cada vez mais, o que ele faz de melhor.
Crafty Survivors está disponível em acesso antecipado para PC e Mac na Steam.
*Uma cópia do jogo foi gentilmente cedida ao CosmoNerd pelos desenvolvedores para a produção deste texto.