Dirigido por Ildikó Enyedi. Estrelado por Alexandra Borbély e Géza Morcsányi. Título original: Teströl és lélekröl. País Hungria. 116 min.
Uma história de amor. Um matadouro. Soa estranho? Agora imagine uma história de amor em um matadouro. Piora a coisa, não é? Pois é exatamente isso que o novo longa de Ildikó Enyedi traz! E para a surpresa dos mais incrédulos, o resultado dessa mistura é simplesmente arrebatador!
Corpo e Alma conta a história do gerente financeiro de um matadouro, Endre e de uma analista de qualidade, Mária, que apesar de se encontrarem em lados diferentes acabam se apaixonando. No entanto o grande “tcham” desse enredo é a personalidade desses protagonistas. Mária é uma jovem cheia de barreiras psicológicas que a impedem de se aproximar das pessoas enquanto Endre é um homem de meia idade que possui limitações devido à sua deficiência física.
Agora alie a esse roteiro uma direção simplesmente primorosa! O trabalho de Ildikó em Corpo e Alma é de fazer qualquer espectador se render! Os planos usados por ela são de uma qualidade exorbitante. Eles conseguem ser simples e complexos ao mesmo tempo. Ela tem a capacidade de apresentar a ação ao espectador de maneira tão clara que passa a ideia de que foi extremamente fácil desenvolver aqueles enquadramentos. No entanto, se analisarmos mais a fundo, podemos perceber quão complicados são seus posicionamentos de câmera. Um exemplo é o uso de reflexos. Boa parte dos planos do filme se utilizam de reflexos de vidros, técnica essa que parece simplória ao espectador leigo, porém quem já trabalhou com câmeras sabe o nível de dificuldade de filmar reflexos.
Outro ponto alto da direção foram os planos mais próximos, em especial os planos detalhe. É impressionante como através deles podemos conhecer muito melhor os dramas vividos pelos protagonistas, muito mais até do que pelos diálogos. Não seria loucura se Ildikó optasse por um filme sem diálogos, pois a linguagem que ela cria através dos planos e dos sons são capazes de contar a história sozinhos. Prova disso é a maneira como ela cria o ato sexual de seus personagens. A cena é tão delicada e simples que se torna uma das mais belas – quiçá até a mais bela – cenas de sexo do cinema. Ainda dentro desse âmbito dos planos, vale a pena ressaltar a forma que Ildikó exibe a condição dos animais no matadouro. Ao optar por focar nos olhos dos bois ela traz uma dramaticidade à esses animais sem precedentes. Os carnívoros talvez até venham a ter dificuldades de encarar um belo bife ao final do filme!
O som também é um dos principais recursos de Ildikó no filme e que recurso, diga-se de passagem! A sonoplastia de Corpo e Alma é tão vívida que é capaz de fazer o espectador se sentir numa sala de projeção esteja onde ele estiver. A trilha sonora também é de grande excelência. É impossível terminar de ver o filme e não ficar com a música What He Wrote da cantora Laura Marling na cabeça! Sem querer, a música nos invade e ao escutá-la mesmo que fora do filme também se torna improvável não remeter automaticamente para a personagem Mária.
Falando em Mária, o que também se torna impossível ao ver Corpo e Alma é não babar pelo exímio trabalho da atriz Alexandra Borbély! Sua atuação é simplesmente sublime! Morcsányi Géza não fica atrás ao viver Endre, no entanto Alexandra ainda chama mais atenção pelo grau de expressividade exibido nas câmeras. Por conta da dificuldade da personagem de desenvolver diálogos com outras pessoas, Alexandra acaba obrigada a dialogar com o espectador através do corpo. E uma de suas principais escolhas – acertadíssima, por sinal – é o olhar. Ainda que ela não nos olhe diretamente, seu olhar nos aprisiona. Literalmente enxergamos a alma de Mária através deles. Alexandra também é muito inteligente ao saber os momentos em que deve exibir uma expressão mais forte e quando deve ser totalmente inexpressiva. Há uma cena em especial quase no final em que Alexandra dá um verdadeiro show de expressividade! Quem assistir ao filme saberá reconhecer essa cena com facilidade através do espetáculo proporcionado por ela.
Como descrever a iluminação de Corpo e Alma? Genial seria pouco! O jogo de luz e sombras utilizados no filme carrega uma dramaticidade tão intensa que aliado ao trabalho excelente do elenco cria quase que uma hipnose entre o espectador e a tela. É irresistível, pura e simplesmente. É interessante também observar que mesmo as sombras parecem de uma naturalidade absurda. A sensação é de que o filme foi todo gravado à luz do sol sem uso de nenhum refletor.
Corpo e Alma é um daqueles filmes que ao chegarmos ao final já queremos revê-lo seja para emergir novamente naquele universo ou seja para tentarmos enxergar aquilo que em uma primeira vez não conseguimos notar. O fato é que não há como assistir Corpo e Alma e permanecer impassível! Se você esperava por um grande filme para mexer com as suas estruturas então não perca a oportunidade de assistir Corpo e Alma no cinema mais próximo!