A série mexicana Como Ganhar na Loteria (Me Late Que Sí, 2025), que chega agora ao catálogo da Netflix do Brasil, revisita uma história real que abalou a confiança do público no sistema de sorteios no México. Dirigida por Rodrigo Santos e Federico Veiroj, a produção em seis episódios utiliza a fraude da loteria Melate, ocorrida em 2012, como ponto de partida para construir um retrato amplo sobre corrupção, sobrevivência e o desgaste moral presente no cotidiano de quem tenta se equilibrar em um sistema desigual. Confira a nossa crítica:
Como Ganhar na Loteria e as pequenas concessões morais da série
A narrativa acompanha o funcionário público José Luis Conejera, vivido por Alberto Guerra. Preso a uma rotina desgastante, marcada por dívidas e frustrações, ele enxerga no esquema de manipulação da transmissão televisiva do sorteio uma possibilidade de transformar a própria vida. O plano surge de forma improvisada, mas se articula com rapidez à medida que Conejera reúne um grupo de colaboradores tão necessário quanto frágil. Em vez de exaltar a figura do criminoso calculista, a série aposta na construção de um ambiente onde pequenas concessões morais evoluem para fraudes complexas.
Parte importante do impacto dramático da produção está na forma como cada personagem representa um ângulo distinto desse ecossistema de trapaças normalizadas. Manuel, interpretado por Christian Tappan, assume o papel do agente que se apoia na estrutura de poder para proteger seus interesses. Lina, vivida por Majo Vargas, é o rosto público da fraude, responsável por manter a imagem impecável do sorteio diante das câmeras. Já Laura, interpretada por Ana Brenda Contreras, traduz a deterioração emocional da vida doméstica diante das escolhas de Conejera. A série acompanha todos eles enquanto tentam justificar suas ações em nome da estabilidade financeira e do reconhecimento que acreditam merecer.
A direção de Santos e Veiroj reforça essa atmosfera ao priorizar gestos sutis, silêncios e pequenas tensões que permeiam escritórios, corredores e o estúdio onde o sorteio acontece. A fotografia de Marc Bellver e Claudia Becerril adota cores sóbrias e enquadramentos precisos, acompanhando personagens que vivem cercados por telas, botões e luzes artificiais. Esse ambiente controlado, onde tudo parece monitorado e claustrofóbico, contribui para a sensação de que a fraude não é um ato extraordinário, mas uma extensão natural da cultura retratada.

Crítica: vale à pena assistir Como Ganhar na Loteria na Netflix?
A corrupção nas relações cotidianas
Ao longo dos episódios, Como Ganhar na Loteria (assista na Netflix) consolida sua proposta ao discutir como a corrupção se infiltra nas relações cotidianas, transformando o crime em uma espécie de resposta à sensação de injustiça permanente. A série utiliza diálogos irônicos e situações de desgaste para mostrar personagens que não se veem como vilões, mas como sobreviventes de um sistema que raramente premia a honestidade.
O desfecho do sorteio final sintetiza essa abordagem. A tensão não depende de grandes reviravoltas, mas do peso de cada gesto realizado diante das câmeras. Ao priorizar o suspense baseado em comportamento, a série reforça sua intenção de observar — não julgar — as engrenagens que movem uma fraude coletiva. Como Ganhar na Loteria surge, assim, como um relato sobre moralidade, escolhas e a sensação de que as regras, no fim das contas, sempre podem ser dobradas.