Encontrar o equilíbrio entre mensagem e qualidade de um filme ou série não é algo simples. É preciso, acima de tudo, ter clareza a respeito da proposta desde o início, ou seja: quero entregar um produto que priorize o didático (correndo grande risco de exagerar no moralismo) ou apresentar um conteúdo dramático acima de qualquer coisa (usando minha mensagem como contexto dos personagens)? Cara Gente Branca, nova série original Netflix, não consegue se encontrar muito bem nesse balaio de ideias.
A trama adapta o filme homônimo e independente de 2014, dirigido por Justin Simien, no qual alunos brancos de uma universidade promovem uma festa à fantasia onde eles pintam sua pele para se assemelharem a pessoas negras, prática também conhecida como blackface (um ato absurdamente racista, diga-se de passagem). Esse fato gera uma onda de tensão racial dentro do ambiente estudantil. Curiosamente, alguns atores do filme voltam aqui como é o caso de Brandon P Bell (Troy), Ashley Blaine Featherson (Joelle) e Marque Richardson (Reggie).
A toda poderosa Netflix conseguiu, ao longo dos seus poucos anos de existência, revolucionar o modo como consumimos entretenimento, com suas maratonas e a comodidade de não precisar futucar a internet em busca de muitas séries desejadas (incluindo algumas não originais). Dentre outas coisas, ela trouxe recentemente uma onda de séries pra lá de engajadas, como aquelas em parceria com a Marvel como Jessica Jones, passando também por Sense8 e 13 Reasons Why. Todas sempre buscando de alguma forma erguer suas bandeiras, dada as devidas proporções.
Cara Gente Branca é mais uma dessas, tratando do racismo. A série é estruturada, ao longo de seus 10 episódios, com doses da perspectiva de cada personagem principal da trama, que gira bastante em torno de acontecimentos chave, como famigerada festa blackface promovida pelo pessoal branco da revista Pastiche. O problema é que nem todo ponto de vista aqui acrescenta alguma coisa de fato, como é o caso de Gabe (John Patrick Amedori). Já outros, como Rashid (Jeremy Tardy), poderiam ter ganhado alguns minutos dedicados à sua trajetória pessoal.
Essa organização estrutural não impede o desequilíbrio narrativo. O começo tímido pode ser justificado por ser um começo, e a série ganha muita qualidade no episódio 5, dedicado a Reggie, não coincidentemente quando Barry Jenkins (Moonlight) assume a cadeira de diretor. Mas isso não foi o suficiente para que Cara Gente Branca abrisse mão de um triângulo (ou quase quadrângulo) amoroso desinteressante e, acima de tudo, desnecessário para a trama a partir de certo ponto. Sintomas de uma primeira temporada que não conseguiu se encontrar como sátira, novela ou drama social.
Se nos concentrarmos apenas na mensagem, há um rico conteúdo a ser identificado, debatido e ampliado. Desde o branco, que se ofende mais com a mínima possibilidade de parecer racista ao invés de procurar saber se ofendeu alguém (como na festa com policiais armados), até o negro que transita muito bem nesse sistema desfavorável (Coco e Troy), a série está constantemente cutucando algumas feridas, mas sem levar isso a situações mais tensas de fato. Talvez seja hora de cutucar com mais força.
Apesar dos pesares, Cara Gente Branca ainda vale a pena. O elenco, encabeçado por Logan Browning (que dá vida à protagonista, Sam White), possui um entrosamento legal e de aparente qualidade, dando aos personagens algum carisma e fôlego para novas temporadas. Isso sem contar no clássico gancho, cada vez mais presente em séries da Netflix, e muito mais evidente aqui do que em outras séries como 13 Reasons Why. Faltou ousadia à criação de Justin Simien, mas isso pode ser providenciado para o futuro.