Inspirada nas memórias The Pink Marine, de Greg Cope White, a série Boots, nova produção original da Netflix, mistura humor, drama e reflexão para revisitar um momento tenso da história militar norte-americana. Criada por Andy Parker (Tales of the City), a produção é ambientada nos anos 1980, quando vigorava a política “Don’t Ask, Don’t Tell”, que impedia militares de revelarem sua orientação sexual. O resultado é uma comédia dramática que usa o riso como instrumento para discutir preconceito, amizade e identidade. Leia a crítica da série Netflix:
A trama de Boots, da Netflix
O protagonista é Cameron Cope (Miles Heizer), um jovem gay enrustido que decide se alistar nos Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Sem dinheiro para cursar a faculdade e prestes a ver sua família se mudar de cidade, ele aceita a sugestão do amigo Ray McAffey (Liam Oh) e embarca em uma jornada que promete mudar sua vida. A decisão, porém, vem acompanhada do medo constante de ser descoberto, já que a homossexualidade era proibida dentro das forças armadas.
Ao chegar ao campo de treinamento, Cameron precisa lidar com a disciplina extrema e com as humilhações impostas pelos superiores, entre eles o rígido Sargento Robert “Bobby” Sullivan (Max Parker) e a Capitã Denise Fajardo (Ana Ayora). O contraste entre o ambiente militar hostil e o olhar sensível do protagonista dá à série um tom de tragicomédia.
Um elenco equilibrado e personagens complexos
Miles Heizer entrega uma performance contida, retratando Cameron como alguém dividido entre o medo e o desejo de pertencimento. Ao seu redor, Boots se sustenta com um elenco coeso e multifacetado. Liam Oh, como Ray, representa o apoio emocional do protagonista, enquanto Max Parker, no papel de Sullivan, oferece o retrato mais complexo da série: um sargento severo que também vive no armário, escondendo um passado doloroso. Sua trajetória acrescenta camadas de ambiguidade moral e reforça o subtexto político da história.
Outro destaque é Vera Farmiga, que interpreta Barbara, a mãe distraída e excêntrica de Cameron. Mesmo aparecendo em momentos pontuais, ela domina a tela e traz humor às cenas familiares, especialmente no piloto, quando reage com indiferença à notícia de que o filho se alistou. O elenco de apoio, composto por jovens recrutas como Ochoa (Johnathan Nieves) e Hicks (Angus O’Brien), ajuda a dar ritmo à narrativa e reforça a sensação de comunidade que nasce entre os personagens.
Humor e crítica social em equilíbrio
O maior trunfo de Boots está na forma como a série equilibra tons. O roteiro consegue alternar momentos de comédia leve — como as referências às Golden Girls e às divas pop — com cenas de tensão e vulnerabilidade. As situações de preconceito e humilhação enfrentadas por Cameron e outros recrutas gays são tratadas com naturalidade, sem transformar a dor em espetáculo. O humor surge como mecanismo de sobrevivência, evidenciando a resistência e a humanidade dos personagens.
Mesmo ambientada há quatro décadas, Boots dialoga com temas contemporâneos. A série mostra como a masculinidade e a identidade ainda são moldadas por instituições rígidas, mas também celebra o poder da amizade e da autoaceitação. É uma história sobre amadurecimento em um contexto hostil, que se recusa a escolher entre o riso e a emoção.
Um tributo ao legado de Norman Lear
Boots marca uma das últimas produções associadas ao lendário Norman Lear, produtor de clássicos como All in the Family. A série honra seu legado ao misturar entretenimento com reflexão social, sem perder o ritmo leve de uma comédia de streaming. Ao longo de oito episódios, o criador Andy Parker e sua equipe demonstram habilidade para transformar uma narrativa histórica em algo acessível, envolvente e atual.
Crítica: vale à pena assistir a série Boots na Netflix?
Uma história de coragem e pertencimento
Mais do que uma comédia militar, Boots é um retrato sobre identidade e pertencimento em tempos de repressão. A série usa o cenário dos anos 1980 para questionar valores que ainda persistem, enquanto oferece momentos de escapismo e emoção genuína. Entre marchas, risadas e confissões sussurradas, Cameron descobre que a verdadeira coragem não está apenas em seguir ordens, mas em aceitar quem se é — mesmo quando o mundo tenta impor o silêncio.
Com boas atuações, humor inteligente e um olhar empático sobre a história LGBTQIA+, Boots consolida-se como uma das produções mais interessantes da Netflix em 2025 (assista aqui), capaz de entreter e provocar reflexão na mesma medida.