Baseado no livro de Joyce Carol Oates, o diretor Andrew Dominik retrata em Blonde a musa do passado, Marilyn Monroe, utilizando a musa do presente, Ana de Armas, reimaginando uma biografia como se fosse um grande sonho, ou delírio, ou pesadelo.
O discurso do cineasta por vezes soa nebuloso, já que, ao evidenciar algumas cenas de abuso e de sexo que ocorreram na infância e na fase estelar da protagonista, justamente para denunciar os vários tipos de violência que Norma Jeane sofreu, parece por vezes tirar certo prazer das sequências – ou do deslumbramento do diretor com Ana de Armas. Três situações também parecem um manifesto antiaborto, que Dominik desmentiu – sendo um deles uma descoberta recente, de 2018, quando o governo norte-americano divulgou que a artista teria abortado um filho do presidente Kennedy.
Com fotografia belíssima, reproduções impressionantes de fotos e várias tomadas que reforçam as passagens etéreas de sua personagem, Blonde não está preocupado em biografar sua retratada, vide o salto brusco da infância para o estrelato, sem os momentos que antecederam essa descoberta, ou até da passagem por outros de seus grandes filmes, investindo toda sua narrativa nos abusos que Norma sofreu durante a fama, enquanto perseguia a figura fantasmagórica e utópica de seu pai, sempre invocando Marilyn como uma espécie de entidade para salvá-la das situações frágeis. Essa escolha de roteiro, quem sabe, se dê pela produção acreditar que boa parte do público já conheça o suficiente da história da estrela e não precisava de mais uma peça documental.
Independente das escolhas, é em Ana de Armas que reside a força desse longa. A atriz está maravilhosa e assombrosa incorporando Marilyn, tanto nos gestos quanto na aparência, sendo este um dos mais potentes papéis de sua carreira. Blonde talvez gere repercussões polêmicas em qualquer esfera e, provavelmente, tenha sido com isso que Dominik contava: o choque emoldurado pela arte, revelando de maneira difícil e pouco palatável o que precisa ser mostrado. Mas, a que custo?