Nem sempre uma ideia se desenvolve da maneira que pensamos. Em nossa cabeça parece tudo certo, mas na hora de colocar em prática as coisas acabam indo por um caminho não planejado. Até mesmo quem possui habilidades elogiáveis nessa função acaba se deparando com situações assim. Versão de Testes, segundo episódio da terceira temporada de Black Mirror, é uma dessas ideias defeituosas de Charlie Brooker.
Cooper (Wyatt Russell) é um viajante americano que se inscreve para testar um novo sistema de jogo revolucionário, mas descobre que as emoções são mais reais do que imaginava. Sim, de todas as tecnologias abordadas, faltava Black Mirror falar de vídeo games. E o que parecia ser uma chance de ouro, acabou revelando-se um produto ausente de inspiração.
Claro que é ótimo presenciar que Charlie Brooker consegue manter sua criação antenada com as tecnologias do momento, mesmo que a história criada para tratar do tema não seja lá das melhores. Falar de vídeo games e tecnologias de realidade virtual realmente não é uma tarefa fácil, já que o risco de cair na mesmice é alto. O que não faltam por aí são exemplares de tentativas malsucedidas. É uma pena que esse episódio acabe entrando para essa lista.
Assim como todos os episódios da série, esse também possui a mais diversas possibilidades de análise. O que eu enxergo pode ser diferente da maneira que você interpreta. Mas é perceptível uma falta de identificação com o que vivemos hoje. Black Mirror nunca foi de criticar novas tecnologias, mas parece vender uma imagem apocalíptica da realidade virtual.
Tudo bem que novas tecnologias não estão livres de erros, especialmente as mais sofisticadas. Uma pesquisa rápida e você certamente vai encontrar notícias de experiências que fracassaram. Mas existiam caminhos melhores para a construção da crítica. A parte da sátira ainda funciona em alguns momentos, como o survivor horror claramente inspirado em games atuais e o gênio famoso por trás de grandes criações (qualquer semelhança com Hideo Kojima talvez não seja mera coincidência).
Versão de Testes ainda tenta arrumar espaço para criticar um comportamento cada vez mais presente na humanidade: a dificuldade de encarar problemas. Cooper possui uma história não resolvida com sua mãe e isso permeia todo o episódio. Ele admite que não possui uma ligação com ela e rejeita todas as tentativas de contato. Poderia ser o aspecto mais interessante da trama, mas também é mal desenvolvido.
O episódio foi dirigido por Dan Trachtenberg, que impressionou muita gente com o ótimo Rua Cloverfield, 10. Mas aqui ele passa longe de entregar seu melhor trabalho. Existem tentativas de criar um terror psicológico, mas que falham nos momentos mais importantes. Os aspectos visuais estão dentro do padrão, nada que salta aos olhos. Wyatt Russell não compromete quando é exigido, sendo mais uma vítima do roteiro. O destaque curioso vai para a presença de Hannah John-Kamen, que já havia estrelado o segundo episódio da primeira temporada, Quinze Milhões de Méritos. É a única atriz, até o momento, presente em dois episódios da série.
Versão de Testes aponta para vários objetivos, mas não consegue alcançar um desenvolvimento apropriado. É a prova de que Black Mirror nem sempre acerta e que estamos diante de uma temporada que certamente vai dividir opiniões. Curiosamente, Charlie Brooker já apresentou um programa de sucesso sobre games. Mas, infelizmente, não é todo dia que ele acorda inspirado.