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Bela Vingança: Quão longe você levaria sua obsessão?

Existe uma catarse quase que primal ao assistirmos um filme de vingança. É um dos clichês mais utilizados do cinema mas mesmo assim é difícil não se empolgar em ver um pouco de “justiça” sendo feita. Poucos filmes conseguem, entretanto, apresentar o outro lado dessa moeda de forma mais realista, mostrando a vingança como algo extremamente problemático. Bela Vingança (Promissing Young Woman no original), primeiro filme de Emerald Fennell consegue mostrar uma vingança um pouco doentia mas mesmo assim discutindo os papéis de gênero na sociedade.

Em Bela Vingança, somos apresentados a Cassie (Carrey Mulligan), uma jovem moça que se utiliza de isca como uma suposta bêbada e vulnerável em boates para questionar predadores sexuais. No decorrer da trama, vamos entendendo melhor o motivo da sua cruzada contra a cultura do estupro e como essa prática vai a destruindo por dentro.

Apesar de tratar de um tema extremamente sério e atual, o longa tem uma linguagem de comédia ácida no melhor estilo Tarantino. Em diversas cenas existem músicas de fundo para deixar a situação mais cool e a fotografia é sempre muito colorida, fazendo um paralelo fortíssimo com os temas abordados. Qualquer outro diretor como David Fincher por exemplo faria esse filme com um clima pesado e tenso, mas Fennell ganha pontos por passear pelo real e surreal com maestria. Claro que existe um problema aqui. Ao demonstrar uma vingança cartunesca com motivações que parecem bem reais, a trama pode diminuir esse problema e demonstrar que a solução para o machismo pode ser simplesmente matar quem te fez mal. Falta uma discussão mais abrangente sobre temas como o machismo estrutural, mas acredito que esse não era o objetivo da obra.

A personagem de Mulligan é mostrada como uma badass sem escrúpulos mas ao mesmo tempo com um lado emocional. A atriz está estupenda no papel e merece demais a indicação ao Oscar. Aprendemos a amar e a também odiar a personagem durante a trama. Ela funciona perfeitamente como o clichê do personagem obsessivo, que possui uma causa nobre mas que já se perdeu nos seus objetivos e vai fazer de tudo para conseguir o que quer. Tal como um Justiceiro da causa das mulheres, ela foca demais no seu problema individual sem buscar uma solução global para o problema.

Como falado antes, a fotografia e o figurino do filme tem um papel muito importante em mostrar essa história pesada em algo mais agradável de se assistir. Os cenários são extremamente coloridos e as roupas e cabelo de Cassie fazem com que ela pareça uma criança, quase que colocando-a em uma posição de mulher frágil. Isso faz um paralelo muito legal de quem ela é “a noite” e também ao seu comportamento muitas vezes infantil de não seguir em frente e manter a cabeça em uma questão que poderia ser tratada de outras formas. As cores da película também utilizam muito do neon para representar esse sentimento de vida noturna e também faz um uso excessivo das cores rosa e azul para reforçar ainda mais as questões de gênero.

Bela Vingança possui uma direção que não se destaca o suficiente para levar um Oscar de melhor filme, mas demonstra muita competência da estreante Emerald Fennell. É um filme com um bom ritmo e que trata uma questão seríssima de forma leve e até bem humorada. Isso pode até tirar um pouco da seriedade do assunto mas mesmo assim não deixa de ter seus momentos dramáticos e tensos. Os destaques do longa ficam para o design de produção e a atuação hipnotizante de Carey Mulligan. Para finalizar, apesar de ser uma obra empoderadora, possui cenas que podem ser gatilho principalmente para mulheres, então fica o aviso.