Como um bom senhor de 85 anos, o Batman viveu de tudo um pouco em sua carreira de combatente do crime. Já ganhou uma versão futurista, uma versão ninja, ganhou poderes divinos e foi homenageado por vários personagens na cultura pop. Isso torna a missão de contar uma nova história do personagem bastante complicada. Como entregar ao público algo que não soe repetitivo? Batman – Cruzado Encapuzado, nova animação lançada pelo Prime Video, decide retornar ao passado clássico do Homem-Morcego para contar sua história com toques de filmes noir.
Ambientada na Gotham City da década de 1940, a série acompanha o Batman (Hamish Linklater) no início de sua jornada como o algoz do crime da cidade. Ainda tratado como um rumor pela máfia e também pela polícia, o Cruzado Encapuzado enfrenta os mais diversos inimigos em sua busca por justiça. Ao se afastar das versões mais famosas do personagem, evitando também mergulhar em um cânone extremamente bagunçado, a animação toma liberdades criativas que revitalizam a famosa galeria de vilões do herói. O tom episódico aparentemente banal torna a experiência menos intensa do que estamos acostumados. Por exemplo, a ambientação opressora do longa de Matt Reeves (um dos produtores executivos aqui) dá lugar a uma Gotham mais charmosa, que parece esconder um segredo em cada esquina. Não fosse o uniforme característico, Bruce Wayne poderia facilmente ser um detetive ao estilo Perry Mason.
Além de Reeves, “Batman – Cruzado Encapuzado” também tem como produtores J.J. Abrams e Ed Brubaker, nomes que pouco influenciam na narrativa. É Bruce Timm quem dá o tom da série. Responsável por algumas das animações mais clássicas do personagem, Bruce conhece como poucos o homem por trás da máscara de morcego. No entanto, vale um aviso: quem espera algo no mesmo molde da clássica Batman: A Série Animada pode acabar se decepcionando. Espiritualmente as duas obras são parecidas, mas na prática, são bastante diferentes.
Das mudanças abordadas pela animação, as que mais se destacam são as que transformam alguns personagens clássicos. Sai Oswald e entra Oswalda Cobblepot (Minnie Driver) que aparece como primeira grande adversária do Batman. A Mulher-Gato (Christina Ricci) também ganha uma nova origem aqui, bem mais simplória. A ideia mais ousada envolve a Arlequina (Jamie Chung), com uma nova etnia e uma jornada completamente separada do Coringa. Mas isso não exclui os fãs menos atentos desse universo, que podem se divertir com a trama sem se preocupar com referências obscuras. Aliás, “Batman – Cruzado Encapuzado” brilha mais nos momentos em que não se apega ao que já conhecemos do personagem. Bruce Timm coloca em tela situações pouco comuns, mergulhando na fragilidade do protagonista, como quando tenta ajudar um amigo e acaba o empurrando em direção ao abismo.
Porém, sinto que a série poderia se arriscar mais nessa primeira temporada. E não falo no sentido da violência gráfica, mas de uma profundidade narrativa. Tirando o arco final envolvendo Harvey Dent (Diedrich Bader), as demais ações dos personagens carecem de consequências. O belo trabalho da animação, que evoca a sensação de que estamos acompanhando algo deslocado no tempo, não apaga o sentimento de que o produto final é um tanto inofensivo (ou charmoso para algumas pessoas). Destaque também para o trabalho de vozes, especialmente para Hamish Linklater, que encontra o tom certo da atuação sem parecer uma cópia de outros atores.
Assim como essa versão do Batman, sua série animada também tem espaço para crescer e alcançar novos rumos. Resta saber se o público atual, moldado pelo Cavaleiro das Trevas, ainda tem paciência para acompanhar um herói que bate em criminosos num dia e luta contra um fantasma da Guerra Civil Americana em outro.