O autismo faz parte do grupo de assuntos que raramente entram em pauta nas rodas de conversa, jantares e toda a sorte de eventos sociais. Embora exista uma estimativa de 2 milhões de pessoas vivendo no espectro apenas no Brasil, falta sensibilidade e compreensão por parte da sociedade na hora de tratar o tema. Por isso, qualquer obra disposta a retratar, na medida do possível, os aspectos diários de quem convive com essa condição é extremamente importante. E gratificante quando consegue equilibrar o debate social com um produto de qualidade. Atypical, nova série original da Netflix, realiza tal feito com extrema habilidade.
Criada por Robia Rashid (The Goldbergs, How I Met Your Mother), Atypical acompanha a vida de Sam (vivido pelo ótimo Keir Gilchrist) a partir do momento em que ele decide arrumar uma namorada. E como essa decisão afeta todas as pessoas ao seu redor. Ao longo de 8 episódios com pouco mais de 30 minutos, vivenciamos o amadurecimento de Sam na medida em que enfrenta os desafios impostos pelo autismo, seja na convivência familiar ou social. Não se engane, a premissa simplória é apenas uma fachada.
O núcleo familiar é desenvolvido durante toda a temporada, enfrentando situações ligadas – em menor e maior grau – à missão do protagonista. É fato que a rotina de pais que cuidam de filhos no espectro está longe do que julgamos ser comum. Detalhes que nos parecem irrelevantes precisam ser levados em consideração, desde uma simples compra de roupas novas. A consultoria especializada usada pelos produtores de Atypical garante uma abordagem clara, mas longe de ser extremamente didática. Não é uma fonte de pesquisa, mas uma porta para a busca por mais conhecimento.
É curioso notar que algumas atitudes de Sam parecem insensíveis e até irritantes, o que coloca o espectador na pele de boa parte da população quando se depara com pessoas no espectro. Não é questão de ser alguém ruim por sentir isso, mas um lembrete importante de que são situações que ocorrem todos os dias ao redor do mundo. Vale ressaltar que nem todos os autistas são como Sam, o espectro é bastante amplo e engloba diversas nuances.
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Nas atuações, além de Keir, Jennifer Jason Leigh, Michael Rapaport e Nik Dodani se destacam. Existe uma emoção pura no relacionamento de Sam com sua família, especialmente quando se aproxima mais de seu pai. Já Nik funciona bem como alívio cômico/melhor amigo. Algo necessário para romper um pouco as cargas dramáticas presentes nos últimos episódios. Ainda que a temporada termine com um gancho potencialmente desastroso.
Atypical, no entanto, não consegue fugir dos clichês. Não que seja um crime utilizá-los, mas nem sempre a ideia no papel funciona tão bem na tela. Não é algo que incomoda tanto, mas priva a série de atingir todo o seu potencial. E nem todos os núcleos são bem desenvolvidos, o que nos leva a questionar outras abordagens para construir determinadas situações. Uma dica importante caso seja renovada para a segunda temporada.
Longe de ser um novo Rain Man, Atypical possui seus pontos positivos e tem capacidade para se destacar no vasto catálogo da empresa. E por mais que lugares frios como a Antártica sejam citados com frequência, essa é uma série que sabe como aquecer o coração. Além de mostrar que os pinguins são muitos melhores do que nós ¯ \ _ (ツ) _ / ¯