É comum, no mundo das séries, sejam elas animadas ou live action, que haja uma alternância de qualidade entre as temporadas. Algumas bem mais bruscas do que outras. Um começo promissor seguido por um encerramento terrível ou ainda um produto que inicia de maneira irregular e encontra seu caminho com o tempo. Exemplos não faltam na cultura pop. Attack on Titan, agora em seu derradeiro ato, pode se gabar não apenas de manter a qualidade, mas também de ampliá-la ao longo dos anos. Pelo menos essa é a impressão deixada pela primeira parte da temporada final do anime.
Hajime Isayama encontra o equilíbrio perfeito entre as vertentes fantasiosas e políticas de sua criação. Algo que começou a ser lapidado na temporada anterior, com o sacrifício de personagens importantes e uma maior articulação de interesses pessoais entre os diferentes núcleos. Com uma parte dos segredos revelados, Eren, Armin e Mikasa agora conhecem seus verdadeiros inimigos. A questão é: como vencer essa guerra? Para entregar a resposta, Isayama resolve fazer com que o espectador conheça mais justamente daqueles que são tidos como ameaça ao elenco principal, nos ambientando nos aspectos sociais antes de entregar o esperado embate.
Com o primeiro arco situado em Marley, os roteiros não escondem a intenção de mostrar a tensão racial que permeia as ruas da nação. Basta pegar o primeiro episódio e a forma como os soldados eldianos são usados como sacrifício para vencer uma guerra. O bombardeio de Titãs comandado por Zeke é o principal exemplo de todo o ódio presente nessa relação. O racismo é debatido de uma maneira bastante clara, dando os contornos mais realistas que a temporada necessitava. Aliás, Attack on Titan é magistral em brincar com as emoções do público. É perfeitamente possível odiar os marleyanos. Mas e quanto aos eldianos que contribuem para a perpetuação de um império justamente para fugirem de um ciclo de opressão? E quando o protagonista da história repete os mesmos atos vis que tanto o machucaram no passado?
Quando a temporada volta os holofotes para a Ilha de Paradis, as maquinações políticas ficam ainda mais intensas. O tempo de tela é essencialmente utilizado para que os personagens consigam expor seus pensamentos, suas decepções e ambições. Esse foco na questão humana, em detrimento das cenas de ação, é primordial para o intuito da primeira parte desse encerramento. Contudo, é nesse aspecto que reside o principal defeito da temporada. Não pela qualidade da execução, mas pela repetição em determinados momentos. Apesar de resultar em um ótimo estudo de personagens, a trama adquire a famosa “barriga” na transição entre arcos.
Nesse início do fim, Attack on Titan expande sua própria mitologia e desenvolve melhor seus personagens principais. A interação entre antigos e novos rostos é natural e rende ótimos momentos de tensão e desconfiança. Quando Eren e sua facção aplicam um golpe militar, é possível sentir que tudo pode explodir a qualquer instante. E novamente, o roteiro deixa que o público assimile todos os acontecimentos, sem parecer tendencioso para algum dos lados. Os conceitos de herói e vilão já não se encaixam aqui, com tons de cinza permeando todos os personagens. Afinal de contas, existe algum limite dentro de uma guerra?
Se a execução das ideias de Isayama funcionam tão bem, o mesmo não pode ser dito das questões técnicas. Reclamar da animação do estúdio MAPPA é um tanto injusto. A discussão maior deveria ser sobre as condições de trabalho dos profissionais desse ramo. Com vários problemas de bastidores, é até surpreendente que essa temporada tenha saído do papel. Com tempo para trabalhar, sabemos o quanto o estúdio pode entregar obras de qualidade (Jujutsu Kaisen não me deixa mentir). Além da animação irregular em alguns momentos, a direção das cenas também é inconstante. Especialmente durante o massacre de Eren e da Tropa de Reconhecimento.
Em termos gerais, a temporada final de Attack on Titan começa de forma maravilhosa. Trabalha bem os personagens e prepara o terreno para o que promete ser um confronto extremamente épico. Como não acompanho o mangá, não posso opinar quanto ao final. Mas se o intuito for criar expectativas, espero muito que 2022 chegue o quanto antes.