2ª temporada de Atlanta mostra evolução no trabalho de Donald Glover, que usa do drama ao terror para desenvolver seus personagens
Criação de Donald Glover, Atlanta é uma série extraordinária exibida pelo canal FX, onde temas como racismo e desigualdade são abordados através de uma narrativa funcional que não se limita à critica social, possuindo uma carga dramática envolvente ao desenvolver seus personagens.
A 2ª temporada segue a mesma proposta estabelecida no início da série, com o protagonista Earn (Donald Glover) sendo agente musical do seu primo Alfred (Brian Tyree Henry), o rapper “Papper Boi”. Ao mesmo tempo, ele tenta manter um relacionamento com Van (Zazie Beetz), com quem possui uma filha. No entanto, a cidade de Atlanta possui suas particularidades.
Earn passa por uma interessante fase de amadurecimento aqui, que evidencia a necessidade de luta constante por seu lugar. Um irritante sentimento de auto piedade o abate ao longo de muitos episódios, sendo que ele está jogando num lugar onde isso não é permitido. Na condição de agente musical, ele precisa fazer as coisas acontecerem. Nesse sentido, há a emblemática cena com a arma dourada no final da temporada. Mal comparando, me lembrou um pouco da Anne Hathaway em O Diabo Veste Prada.
Por falar no mundo da moda, é legal como uma das questões identitárias é trabalhada a partir do consumo estético na série, algo muito bem representado no episódio onde mostra Earn e Alfred crianças, no colégio. O protagonista busca – assim como muitos de seus pares – uma imagem diferenciada nas roupas, e fica desesperado ao descobrir que a sua camisa esportiva é falsificada, pois sabe que todos irão caçoar dele “para sempre”. Essa questão não é tão simples, e afeta as pessoas de modo diferente como o próprio episódio argumenta.
Com um garoto branco da turma isso é irrelevante, ele usa a mesma camisa vermelha sem graça todos os dias se possível. Já com o outro garoto negro da escola, a reação nesse cenário da camisa falsa é diferente do próprio Earn.
Esse modelo narrativo se estende por toda a série, às vezes mostrando um cenário mais insólito, em outras acertando em cheio na realidade. Não é todas essas vezes que seremos impactados com uma baita crítica social, pois Donald Glover não se dispõe tanto a ser apenas panfletário. Seu objetivo é expor o racha social existente contando uma boa história.
Voltando ao desenvolvimento dos personagens, vale ressaltar que cada um tem seu lugar ao sol em Atlanta. Van aparece menos nessa temporada, mas Zazie Beetz entrega bem uma mulher que busca ser reconhecida por quem ela é, e não como a mãe ou esposa de alguém. Papper Boi é uma figura que ganha mais destaque dessa vez, contribuindo muito para o crescimento de Earn mas também de si próprio. Trata-se de uma semi-celebridade que não sabe muito bem lidar com esse status, frente a demandas modernas como redes sociais e a interação com fãs. E também por ficar muito exposto ao ir comprar drogas.
Nessa cruzada para alavancar a carreira do rapper, vemos mais sobre o mercado interno musical e como ele dialoga com a situação dos personagens da série. Papper Boi é reticente a praticamente tudo com ar de novidade e isso traz atritos constantes entre ele e Earn.
Pinceladas de terror
A disposição dos episódios nessa segunda temporada está um pouco mais experimental, tendo capítulos onde o protagonista sequer aparece. Como mencionado, isso beneficia os coadjuvantes, mas pode irritar os mais apressados por uma narrativa ligeira. Nesse caso, recomenda-se paciência.
É nisso que mora um outro diferencial dessa 2ª temporada de Atlanta. Talvez sob a influência de Corra!, de Jordan Peele, Donald Glover trabalha juntamente com os roteiristas Stephen Glover (seu irmão) e Stefani Robinson, e os diretores Hiro Murai e Amy Seimetz, um atrativo flerte com o gênero do terror e suspense.
Isso é apresentado tanto em momentos pontuais quanto num episódio inteiro dedicado a isso. Começando pela casa do seu tio que possui um jacaré trancado num cômodo, até o episódio onde Earn e Van visitam uma comunidade alemã, com um demônio ladrão.
Esse elemento insólito acaba agindo diretamente na transformação dos personagens, algo evidenciado no episódio “Woods”, onde Papper Boi é espancado, foge para a floresta e é perseguido por um maníaco.
No entanto, o ápice desse viés é retratado no episódio “Teddy Perkins”, protagonizado por Darius (LaKeith Stanfield). O próprio Donald Glover interpreta o estranho personagem, que é uma clara referência a Michael Jackson e sua relação com o sucesso.
Se você curtiu Atlanta, certamente irá se sentir bem servido nessa 2ª temporada, recheada de boas histórias e experimentações. Donald Glover é um artista como poucos, e traz um pessoal de qualidade para os seus projetos.
Acabei assistindo o segundo ano porque os episódios chegaram àquela famosa plataforma de streaming, mas Atlanta também está disponível no Brasil para os assinantes FOX Premium no App da FOX.