Sempre que passo por momentos em que questiono os rumos da vida, lembro de uma das histórias mais marcantes do Astronauta, personagem da Turma da Mônica. Em um momento de solidão em um planeta distante, ele se pergunta como teria sido sua vida na Terra. Mais tarde, a história nos responde: se ele tivesse ficado, viveria uma vida pacífica ao lado da família que formou. Contudo, em meio ao tédio da rotina, ele também se perguntaria: “como seria minha vida se eu tivesse aceitado aquela proposta de viajar pelo espaço como um Astronauta?”.
Quem escreve histórias também se depara com várias dúvidas sobre que caminho seguir, e imagino que quem se propõe a adaptar para audiovisual a trama de um personagem que emocionou pessoas de diferentes gerações é uma responsabilidade ainda maior. Eu, que sou uma pessoa que tenho um apego com as tirinhas, quando faço o exercício de como poderia ser a série do “Astronauta”, imagino alguns percursos narrativos que me agradariam, então já revelo aqui que sou suspeita para comentar. Mas, independente da escolha tomada, não seria um problema ser surpreendida com uma boa história, diversa da minha expectativa.
O primeiro episódio da série, que desenvolve a origem do Astronauta (Marcos Pigossi) como um super-herói brasileiro, é promissor. A visão do Brasil retratada de forma grandiosa, similar à maneira como os EUA são frequentemente apresentados em produções do gênero, empolga. O design, o estilo da animação e as vozes originais chamam a atenção, demonstrando profissionalismo e a seriedade com que trataram essa produção.
Contudo, os problemas começam a surgir ainda no início e se agravam ao longo da trama. Há um excesso de exposição narrativa para explicar o passado do protagonista, Pereira (ou Astronauta), e sua relação com outros personagens, além da formação da empresa espacial brasileira (BRASA). Em vez de desenvolver esses elementos organicamente, a história recorre a diálogos excessivamente explicativos, comprometendo a naturalidade da narrativa.
A quantidade de personagens introduzidos ao longo da série é outro ponto fraco. Novos personagens importantes surgem em quase todos os episódios, enquanto outros desaparecem sem explicação, sem que seus arcos sejam devidamente desenvolvidos. Conflitos e arquétipos poderiam ser melhor trabalhados em uma quantidade reduzida de personagens. Além disso, o excesso de vilões dilui os conflitos centrais, dificultando a compreensão de suas respectivas importâncias.
A comparação com “Minhas Aventuras com o Superman”, que assisti na mesma época, foi inevitável. Embora ambas as séries compartilhem elementos similares, a produção da DC se destaca por sua simplicidade e ritmo bem cadenciado, apresentando novos vilões e desenvolvendo arcos ao longo de episódios e temporadas. Em “Astronauta”, tudo se mistura e não se sabe ao certo a gravidade de cada um.
O ápice disso são os episódios que se passam dentro da pirâmide alienígena. A tentativa de manter o suspense se estende tanto que acaba ficando vazio de história e de medo, pois não sabemos concretamente o perigo que os astronautas da BRASA correm. E, sobretudo no episódio 3, a história me parece não caminhar para frente e se detém mais nos efeitos visuais, consequências do caráter onírico adotado pela narrativa nesse ponto. Isso acaba chamando atenção para a técnica em si e escancara as limitações da animação, que no geral não é mal produzida. Mas como a história não se desenvolve, fica arrastada e repetitiva, e os efeitos visuais chamam para si a atenção quase que completamente, fica a sensação de que seriam necessários mais recursos para transmitir o objetivo desejado. Além disso, fica difícil se envolver e os episódios parecem mais longos do que são de fato.
Assim, como a história parece não caminhar, e talvez justamente por isso, o protagonista não se desenvolve. A mudança dele é virar o Astronauta que, apesar da demora e da dor que ele enfrenta, na minha visão, julgo como algo externo, não interno. Nem sequer entendemos se ele aceita o apelido, que no início o incomodava tanto. Embora as falas dele e dos outros personagens tentem convencer do contrário, o Pereira permanece o mesmo: o arquétipo do protagonista excêntrico e solitário, que guarda um objetivo secreto e que ninguém é capaz de entender. Enquanto Ritinha (Mel Lisboa) deveria ser uma mulher forte, mas quando se trata de correr atrás do ex-namorado, ela esquece sua autonomia.
Tenho a impressão de que era para ser uma situação cômica, mas, para mim, não funcionou. E como na série inteira os dois replicam a dinâmica de Mulder e Scully de “Arquivo-X“, devo confessar que a personagem de Ritinha mais me irritou do que outra coisa. Ela é apresentada como uma mulher forte, mas sua independência se perde quando a narrativa gira em torno de sua relação com Pereira. Uma cena emblemática, em que ela decide terminar o relacionamento, perde impacto quando ela imediatamente recua após uma atitude indiferente do protagonista.
No geral, “Astronauta” parece ter tentado reinventar a roda. Se a intenção era criar um super-herói brasileiro, seria mais eficaz adotar uma abordagem mais direta e enxuta, como a jornada do herói clássica. Caso a ideia fosse algo mais intimista, seria mais interessante manter o tom introspectivo das histórias em quadrinhos. A tentativa de equilibrar ambos os estilos não foi bem-sucedida.
O monólogo final do protagonista é uma boa saída metalinguística, já que ele mesmo discorre sobre o fim, referindo-se ao relacionamento dele com Ritinha. Mas há uma tentativa de explicar e convencer o espectador (mais uma vez) que toda essa aventura era uma jornada pessoal do Astronauta, a qual ele teria dificuldade de terminar. Talvez não tenha sido só uma forma de dizer que Pereira não queria terminar seu relacionamento, mas também foi um obstáculo enfrentado pelos contadores desta história, já que é difícil terminar o que mal se desenvolveu.