Com o advento da apresentação do personagem Arondir, o elfo de pele negra criado para a série O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, foi reacendida uma discussão antiga sobre como seria a aparência dos elfos criados por Tolkien para seu legendário. Para quem não é familiarizado com essas discussões acerca dos seres criados pelo professor, elas são bem comuns na verdade – uma bem conhecida pelos fãs que estudam a obra o autor é a de qual seria a cor dos cabelos do Legolas. Falta do que discutir? Talvez, mas eu me divirto com essas coisas (me julguem).
Mas não é das madeixas do elfo queridinho de Peter Jackson que irei tratar hoje, e sim sobre um outro aspecto que foi difundido como uma das principais características que diferenciaria fisicamente os homens dos elfos, as tais orelhas pontudas em formato de folha. Mas, afinal, teriam os elfos criados para o legendário de O Senhor dos Anéis orelhas pontudas como as dos elfos místicos de lendas e folclores europeus?
Pois bem, vamos por partes. Trarei aqui um compilado de trechos, passagens e citações que nos ajudarão a elucidar esse assunto um tanto quanto polêmico entre os fãs desse universo fantástico. Lógico que, como se trata de um artigo escrito por mim, não será isento da interpretação deste que vos escreve.
Inclusive, aqui vai meu agradecimento a Evelyn e a Becky que me ajudaram na tradução e revisão desse artigo, pois a maioria dos textos trazidos nesse artigo eu só consegui localizar no idioma original, o que foi bom para evitar problemas de interpretação nas traduções. Dito isso, vamos ao texto.
Orelhas Pontudas – Uma Lenda Popular
Mas, Saulo, afinal, de onde veio essa caracterização de elfos de orelhas pontudas e, se existe alguma dúvida sobre esse aspecto, como uma organização como a “The Tolkien Society” corroborou para que tal característica fosse utilizada para os filmes e a série se existe alguma dúvida sobre se as orelhas são descritas dessa forma ou não?
Tirando o fato de que crescemos com esta aparência sendo descrita nos contos, romances, jogos de RPG e jogos eletrônicos, essa escolha foi utilizada nas trilogias de filmes dirigida por Peter Jakson e reforçada na série para facilitar a identificação visual dos personagens, assim como os cabelos de chapinha, já que eles já possuem essa aparência nas outras mídias citadas anteriormente.
Ocorre que, nos livros do universo do autor, não há nenhuma citação em que Tolkien descreva as orelhas dos elfos como pontudas, só existe uma passagem em uma carta enviada pelo autor à editora Houghton Mifflin, em 1938, que pode ser interpretada como um possível indicativo de que os elfos teriam orelhas levemente pontudas. Digo possível indicativo por causa do contexto no qual a carta foi enviada, mas isso eu explicarei mais à frente.
A época, a editora enviou uma carta a Tolkien solicitando ilustrações de hobbits feitas pelo autor para que fossem utilizadas no lançamento da versão norte-americana do livro O Hobbit. E o professor respondeu o seguinte:
“Receio que, caso os senhores necessitem de desenhos de hobbits em várias atitudes, eu deva deixar isso nas mãos de alguém que saiba desenhar. Minhas próprias gravuras são um guia arriscado — ex: a gravura do sr. Bolseiro nos Capítulos VI e XII. A gravura muito mal desenhada no Capítulo XIX é um guia melhor do que aquelas em impressões gerais.
Retrato uma figura razoavelmente humana, não um tipo de coelho “mágico” como alguns de meus críticos britânicos parecem imaginar: gorducho no abdome e de pernas curtas. Um rosto redondo e jovial; orelhas apenas levemente pontudas e “élficas”; cabelo (castanho) curto e encaracolado. Os pés, dos tornozelos pra baixo, cobertos com pelo castanho e espesso. Roupas: calças curtas de veludo verde; colete vermelho ou amarelo; paletó marrom ou verde; botões de ouro (ou latão); um capuz e um manto verdes escuros (pertencentes a um anão).” Carta de Tolkien para Houghton Mifflin Company em março ou abril de 1938.
Esta é a única sugestão textual que encontrei durante minha pesquisa que poderia ser interpretada como sugerindo que as orelhas dos elfos seriam levemente pontudas, e eu digo que é uma sugestão pois precisamos analisar o contexto no qual essa carta foi enviada. Nessa época, Tolkien ainda não tinha lançado nenhum outro livro de seu universo fantástico, que ainda estava em fase embrionária, e por isso acredito que ele tenha utilizado a expressão com base no senso comum que as pessoas tinham da aparência dos elfos – algo parecido com o que foi feito no universo de Harry Potter.
Na carta citada acima, acredito que Tolkien utilize esse “élficas” como um termo mais genérico, uma vez que seria mais fácil para os editores identificarem como seriam as orelhas dos hobbits, e se ele em algum momento pensou em colocar as orelhas dos elfos de seu universo como sendo pontudas, essa ideia foi posteriormente descartada, junto com outras ideias, como as dos dragões de metal, viagens no tempo e o anel mágico que seria apenas um anel de invisibilidade. Sim, o autor tinha a intenção de criar seus dragões como sendo feitos de metal e tinha histórias com viagens no tempo.
Outro argumento utilizado para defender que elfos tinham orelhas pontuas é uma nota etimológica em manuscrito descartado de Tolkien no livro The Lost Road and Other Writings, o quinto volume de The History of Middle-Earth, justamente na primeira nota etimológica da palavra LAS.
LAS(1)- *lasse leaf: Q lasse, N lhass; Q lasselanta leaf-fall, autumn, N lhasbelin (*lassekwelene), cf. Q Narqelion [KWEL]. Lhasgalen Greenleaf, Gnome name of Laurelin. (Some think this is related to the next and *lasse ‘ear’. The Quendian ears were more pointed and leaf. shaped than [?human].) (Em tradução livre: Alguns pensam que isso está relacionado ao próximo e *lasse ‘orelha’. As orelhas quendianas eram mais pontudas e folhadas. em forma do que [?humano].)
LAS(2)- listen. N lhaw ears (of one person), old dual *lasu – whence singular lhewig. Q lar, lasta-listen; lasta listening, hearing – Lastalaika ‘sharp-ears’, a name, cf. N Lhathleg. N lhathron hearer, listener, eavesdropper (< * la(n)sro-ndo)., lhathro or lhathrado listen in, eavesdrop.
Eu fiz questão dessa vez de deixar o texto original junto para destacar que esse manuscrito estava ilegível, e essa descrição é a que Christopher Tolkien suponha que seja, tanto que a palavra “humano” está entre colchetes e havia um ponto depois de “leaf”.
Mas aqui vamos a uma contextualização. Esse volume é destinado a histórias descartadas de Tolkien que foram escritas em 1937, tanto que, nas atuais notas etimológicas, esse trecho foi removido. Nesse mesmo volume temos uma história de viagem no tempo. Sim, The Lost Road é uma história de viagem no tempo abandonada por Tolkien, no qual os povos de Númenor e da Terra-média iriam se ligar as lendas de muitos outros tempos e pessoas. Legal, né? Pena que ela também foi descartada.
Também merece um pequeno destaque aqui que o O Hobbit lançado em 1937 era diferente da edição que conhecemos hoje, indicando que o autor ainda estava criando o universo que conhecemos hoje. Diferente como? Pois bem, na primeira versão do livro, o anel mágico que Bilbo utiliza ainda não era o anel de Sauron para todos governar, inclusive a cena em que Bilbo o ganha – sim, na primeira versão ele ganha o anel de bom grado do Gollum – é bem diferente da cena estabelecida hoje, e ela só seria modificada anos depois justamente para encaixar o livro no legendário atual e demonstrar coerência com os livros que foram lançados posteriormente.
E se você acha que eu estou apenas supondo que as orelhas dos elfos não eram pontudas só porque a carta escrita para a editora foi feita antes das publicações dos outros textos do J.R.R. Tolkien, e porque a nota etimológica está em um manuscrito descartado, te asseguro que não é o caso, ávido leitor. Existem várias descrições no legendário de O Senhor dos Anéis sobre os elfos, e nenhuma delas cita as orelhas, pelo contrário, elas reforçam que a característica física que mais diferenciava os homens dos elfos eram os olhos.
Por mais que J. R. R. Tolkien fosse um linguista brilhante e um autor excelente, ele não criou os elfos. Ou melhor dizendo, ele não criou o termo “elfo”, já que os elfos de Tolkien em nada se assemelham aos Elfos dos folclores e mitos. Na verdade, ele deixa a entender que se arrepende de ter utilizado essa denominação.
“Elfos” é uma tradução, talvez agora não muito adequada, mas originalmente boa o suficiente, de Quendi. Eles são representados como uma raça similar em aparência (e ainda mais no passado distante) aos Homens e, em dias antigos, da mesma estatura. Não entrarei aqui em suas diferenças dos Homens! Mas suponho que os Quendi nestas histórias sejam de fato muito pouco relacionados aos Elfos e Fadas da Europa; e se eu fosse pressionado a racionalizar, eu diria que eles representam realmente Homens com faculdades estéticas e criativas aprimoradas em grande medida, maior beleza e vida mais longa, e nobreza — os Filhos Mais Velhos, fadados a desvanecer diante dos Seguidores (Homens) e no fim viver apenas pela tênue linhagem de seu sangue que foi misturada com a dos Homens, entre os quais era a única reivindicação real à “nobreza”. Carta de Tolkien para Naomi Mitchison em 25 de abril de 1954.
Além disso, agora lamento profundamente ter usado Elfos, embora esta seja uma palavra em ancestralidade e significado original suficientemente adequada. Porém, a desastrosa depreciação dessa palavra, na qual Shakespeare desempenhou um papel imperdoável, realmente a sobrecarregou com tons lamentáveis, que são muitos para se superar. De uma carta para Hugh Brogan, 18 de setembro de 1954.
Inclusive, se pegarmos a descrição que o autor dá a Elrond em O Hobbit, podemos perceber que ele tenta afastar ao máximo seus elfos das aparências que as pessoas comumente atribuíam aos elfos, que eram seres pequeninos de orelhas pontudas.
“Era nobre e tinha o rosto belo de um senhor élfico, era forte como um guerreiro, sábio como um mago, venerável como um rei dos anões, generoso como o verão.” Capítulo III – Um Breve descanso, de “O Hobbit”.
Tirando os cabelos dourados dos elfos de Valfenda, essa é a única descrição de um elfo que temos no citado livro. Então fica claro aqui que o autor tenta diferenciar os elfos de seu legendário dos elfos das lendas e dos mitos.
Elfos e Homens – Suas Semelhanças
Muitos defendem que existe uma citação no The History of Middle-Earth que descreveria as orelhas dos elfos como pontudas como folhas, entretanto, fora a nota etimológica descartada citada no tópico anterior, não localizei nenhum outro trecho com essa suposta descrição das orelhas élficas nos doze volumes. E olha que estamos falando de um compêndio feito por Christopher Tolkien dos manuscritos rudimentares de seu pai, compilados em doze volumes, totalizando 5440 páginas. Muito pelo contrário, acabei achando trechos em que o autor ressalta as semelhanças entre humanos e elfos.
Em Morgoth’s Ring, o décimo volume de The History of Middle-Earth, mais precisamente no manuscrito “OF THE LAWS AND CUSTOMS AMONG THE ELDAR PERTAINING TO MARRIAGE AND OTHER MATTERS RELATED THERETO: TOGETHER WITH THE STATUTE OF FINWE AND MIRIEL AND THE DEBATE OF THE VALAR AT ITS MAKING. – A Elfwine’s Preamble.”, Tolkien ressalta como as crianças élficas são facilmente confundidas com as crianças humanas.
“Os Eldar cresciam biologicamente mais devagar que os Homens, mas mais rapidamente mentalmente. Eles aprenderam a falar antes do primeiro ano; e aprenderam a andar e dançar ao mesmo tempo, pois sua vontade logo trouxe o domínio de suas habilidades corporais. Não obstante, haviam poucas diferenças entre os dois parentes, Elfos e Homens, em sua primeira juventude; e um homem que via uma criança elfo brincando, poderia muito bem acreditar que era uma criança dos Homens, de pessoas felizes e justas. Já que em tenra idade as crianças elfos ainda se deleitavam com o mundo ao seu redor, e o fogo de seus espíritos ainda não os tinham consumido, e o pesar da memória ainda era leve sobre eles. Esse mesmo observador poderia ainda estranhar os membros pequenos e a estatura dessas crianças, julgando suas idades pelas suas habilidades, usando as palavras e a graça de seus movimentos. Já que ao final do terceiro ano, crianças mortais começam a ultrapassar os Elfos, apressando-se para atingir plena estatura enquanto os Elfos permanecem no crescimento da primeira infância. Crianças dos Homens podem chegar em sua altura máxima, enquanto Eldar da mesma idade permanecem na altura de mortais de não mais de sete anos. Isso até o seu quinquagésimo ano, quando os Eldar chegam às estatura e forma que suas vidas irão seguir, e aproximadamente cem anos se passarão até que se tornem adultos”. [Em tradução livre]
Mas, se você ainda está em dúvida, ou acha que essa semelhança acaba na infância, ainda em Morgoth’s Ring, no manuscrito “ATHRABETH FINROD AH ANDRETH – The Debate of Finrod and Andreth”, existe a seguinte passagem:
“Existem certas coisas neste mundo que tem que ser aceitas como ‘fatos’. A existência de Elfos: que é uma raça de seres muito parecidos com os Homens, realmente tão parecidos que eles devem ser considerados como fisicamente (ou biologicamente) simples ramificações da mesma raça. Os Elfos apareceram na Terra antes, mas não (mitologicamente ou geologicamente) muito antes; eles eram ‘imortais’ e não morriam, exceto por acidente. Homens, quando apareceram em cena (isto é, quando eles encontraram os Elfos), eram, no entanto, muito como são agora: eles ‘morriam’, mesmo se eles escapassem de todos os acidentes, perto dos 70 ou 80 anos”. [Em tradução livre]
Como podemos perceber, existem muitos textos que reforçam como os homens e os elfos são semelhantes, e eu acredito que isso ocorra justamente para demonstrar o quanto Tolkien queria distanciar os elfos criados por ele dos elfos estabelecidos nas crenças e culturas já existentes.
Em setembro de 1954, o mesmo ano da carta citada no começo do texto, ele escreveu outra carta, respondendo algumas perguntas de Peter Hastings, que era gerente da Livraria Newman (uma livraria católica em Oxford), reforçando a semelhança entre os elfos e humanos.
“Suponho que, na verdade, as principais dificuldades nas quais me envolvi sejam científicas e biológicas — que me preocupam tanto quanto as teológicas e metafísicas (embora o senhor pareça não se importar tanto com elas). Elfos e Homens são evidentemente uma raça, em termos biológicos, ou não poderiam procriar e produzir descendentes férteis — mesmo como um raro evento: há apenas 2 casos em minhas lendas de tais uniões, e fundem-se nos descendentes de Eärendil. No entanto, posto que algumas pessoas têm sustentado que o grau de longevidade é uma característica biológica, dentro de limites de variação, não se poderia ter Elfos de certa forma ‘imortais’ — não eternos, mas não morrendo de ‘velhice’ — e Homens mortais, mais ou menos como parecem agora no Mundo Primário — e ainda assim suficientemente aparentados. Posso responder que essa ‘biologia’ é apenas uma teoria, que a moderna ‘gerontologia’, ou seja lá como a chamam, considera o ‘envelhecimento’ muito mais misterioso e menos claramente inevitável em corpos de estrutura humana. Mas eu deveria na verdade responder: não me importo. Essa é uma máxima biológica em meu mundo imaginário. E apenas (até agora) um mundo imaginado de forma incompleta, um rudimentar mundo ‘secundário’; mas se aprouver ao Criador conceder-lhe Realidade (em uma forma corrigida) em qualquer plano, então o senhor teria simplesmente de entrar nele e começar a estudar sua biologia diferente, isso é tudo.
Mas, tal como se encontra — embora pareça ter crescido descontroladamente, de maneira que partes parecem (para mim) bastante reveladas através de mim do que por mim —, seu propósito ainda é amplamente literário (e, se o senhor não se assusta com o termo, didático). Elfos e Homens são representados como biologicamente aparentados nesta ‘história’, pois os Elfos são certos aspectos dos Homens e talentos e desejos destes, encarnados no meu mundinho. Possuem certas liberdades e poderes que gostaríamos de ter, e a beleza, o perigo e o pesar da posse dessas coisas são mostrados neles….. ” Carta de Tolkien para Peter Hastings em setembro de 1954.
Pois bem, até agora me ative aos textos auxiliares, por assim dizer, justamente porque não existe nenhuma citação nos livros sobre as orelhas dos elfos serem pontudas, e como a justificativa de quem defende as orelhas supostamente pontudas dos elfos reside em textos aquém dos textos “oficiais” do universo onde se encontra “Arda”, tive que demonstrar que nos mesmos textos complementares Tolkien só reforça as semelhanças entre os homens e os elfos.
Mas, o que dizem os livros “oficiais”, aqueles que contém a história de “Arda”? Existe algum trecho, alguma passagem ou diálogo que reforce a semelhança entre os primogênitos (elfos) e os sucessores (humanos)? É o que veremos a seguir.
No livro Os Contos Inacabados, temos uma conversa em que Sador explica ao jovem Túrin como sua irmã se parecia com uma criança élfica, ressaltando a ideia de que as crianças élficas e humanas são parecidas.
“Dessa forma Sador falava a Túrin à medida que este ia crescendo; e Túrin começou a fazer muitas perguntas que Sador considerava difíceis de responder, pensando que outros mais próximos deveriam se encarregar de ensiná-lo.
— Lalaith era de fato semelhante a uma criança élfica, como disse meu pai? — perguntou-lhe Túrin um dia. — E o que queria dizer quando disse que ela era mais efêmera?
— Muito semelhante — disse Sador —, pois na primeira infância os filhos dos homens e dos elfos são muito parecidos. Mas os filhos dos homens crescem mais depressa, e sua juventude logo passa; tal é nosso destino.” CAPÍTULO II – Narn i Hîn Húrin – O conto dos filhos de Húrin – A infância de Túrin.
E não é só a irmã de Túrin que pode ser confundida com um Eldar, o próprio quando cresce acaba sendo chamado pela denominação de Homem-elfo. É justamente o que vemos em Silmarillion, no “Capítulo XXI: De Túrin Turambar”:
“No período que se seguiu, Túrin conquistou alta posição junto a Orodreth, e praticamente todos os corações se voltavam para ele em Nargothrond. Pois era jovem e só agora atingia a plena maturidade. E sem dúvida era filho de Morwen Eledhwen, só de se olhar: tinha os cabelos escuros e a pele clara, com olhos cinzentos, e seu rosto era mais belo do que qualquer outro rosto dos homens mortais nos Dias Antigos. Sua fala e sua postura eram as do antigo reino de Doriath; e, mesmo entre os elfos, ele poderia ser confundido com algum oriundo das grandes linhagens dos noldor. Por isso, muitos o chamavam de Adanedhel, o homem-elfo”.
Temos vários trechos em que homens são comparados a elfos. Ainda em Silmarillion, no “Capítulo XXI: De Tuor E Da Queda De Gondolin”, vemos Tuor ter sua “humanidade” questionada por ter aprendido um pouco do conhecimento de Ulmo, o Senhor das Águas.
“Estava Tuor, então, diante de Turgon, filho de Fingolfin, Rei Supremo dos noldor; e à mão direita do Rei estava em pé Maeglin, filho de sua irmã; enquanto à sua mão esquerda estava sentada Idril Celebrindal, sua filha. E todos os que ouviram a voz de Tuor ficaram maravilhados, duvidando ser verdade que esse fosse um homem da raça mortal, pois suas palavras eram as palavras do Senhor das Águas que lhe ocorriam naquele momento”.
Como estamos falando da aparência dos elfos, não posso deixar de fazer um pequeno exercício cômico com vocês e citar brevemente os meio-elfos. Esses seres híbridos existem no legendário de Tolkien, possuindo a característica única de poder escolher entre a imortalidade élfica e a mortalidade humana. Exatamente, eles escolhiam se seriam humanos ou elfos.
Um dos meio-elfos que mais tem destaque no universo tolkieniano é justamente Elros, irmão gêmeo de Elrond. Elros escolhe ser humano e se torna o primeiro rei de Númenor. Teria Elros perdido a característica de ter orelhas pontudas ao escolher ser humano, ou a sua linhagem teria orelhas pontudas por ser seu descendente, já que eles mantiveram a beleza e os olhos de seu antepassado? Fica o questionamento.
Mas afinal, o que Diferencia os Elfos dos Homens?
Todas as vezes que Tolkien quer diferenciar um elfo de um homem, ele cita a beleza, os traços de nobreza, a voz, a postura, geralmente dando um destaque especial aos olhos. Em nenhuma passagem, o autor, que é conhecido por ser extremamente descritivo, utiliza as orelhas para diferenciar humanos de elfos.
Já citei aqui Tuor, que em Silmarillion teve sua “humanidade” questionada por suas palavras conterem a sabedoria de Ulmo. Pois bem, essa não foi a única vez que Tuor foi confundido com um elfo, pois em Os Contos Inacabados, no “Capítulo I – De Tuor e sua chegada a Gondolin”, temos a seguinte cena:
“Então Voronwë conduziu Tuor até a luz; e, ao se aproximarem, muitos noldor, trajando cota de malha e armados, saíram da escuridão e os cercaram com espadas desembainhadas. E Elemmakil, capitão da Guarda, que trazia a lanterna luminosa, os olhou longamente e de perto.
— É estranha sua atitude, Voronwë — disse. — Fomos amigos por muito tempo. Então por que me coloca de modo tão cruel entre a lei e a amizade? Se tivesse trazido para cá, sem autorização, alguém das outras casas dos noldor, já seria bastante. Mas trouxe ao conhecimento do Caminho um homem mortal — pois pelos seus olhos detecto sua espécie. Ele, porém, nunca mais poderá seguir livre, conhecendo o segredo; e, por ser alguém de espécie alheia que ousou entrar, eu deveria matá-lo por muito que seja seu amigo, e lhe seja caro.”.
Ainda no mesmo capítulo, temos outra cena entre Tuor e Voronwë em que os olhos são o ponto de destaque:
“Enquanto estava ali de pé, fitando o silencioso vulto cinzento, Tuor lembrou-se das palavras de Ulmo, um nome que não aprendera veio-lhe aos lábios, e exclamou em voz alta:
— Bem-vindo Voronwë! Eu o aguardo.
Voltou-se então o elfo, erguendo o olhar, e Tuor enfrentou a visão penetrante dos seus olhos cinza-marinhos, e soube que esse pertencia ao alto povo dos noldor.”.
Eu poderia colocar diversos outros trechos em que os olhos são o ponto de diferenciação entre elfos e humanos, mas acho que já deu para entender. Perceba que Tolkien utiliza os olhos como destaque para diferenciar e identificar seus elfos e humanos, usando, inclusive, essa característica como meio para que um personagem identifique o outro.
Não faz muito sentido um autor extremamente descritivo como Tolkien utilizar tantas vezes os olhos como diferenciação e nunca utilizar o formato das orelhas. Se, de fato, os elfos tivessem orelhas diferentes dos humanos, ele teria indicado essa característica como algo a ser identificado, e não os olhos.
Moral da História
Se um dia Tolkien pensou em descrever seus elfos com orelhas pontudas, ele descartou essa ideia como tantas outras que ele jogou fora ou alterou. Isso é um processo comum de criação, toda escolha é uma renúncia, e de renúncia os autores entendem bem. Ocorre que isso não se manteve em seu legendário, pelo menos não nos livros, já que os filmes e a série abraçaram essa característica.
No fundo, é irrelevante o formato das orelhas dos elfos, mas eu acho um ponto interessante a ser levantado tendo em vista que surgiram vários “profissionais” da obra do professor para atacar a série por apresentar um elfo de pele negra, mas ninguém insurgiu sobre a aparência dos elfos quando eles eram retratados com orelhas pontudas ou com cabelos de L’Oreal Paris, mesmo essas caracterizações não estando fiéis às descrições dadas por Tolkien. Vide o cabelo do Legolas, que eu brinquei no começo do artigo.
O autor jamais disse que todos os elfos eram brancos, nunca disse que inexistiam elfos negros. Então por que dessa revolta seletiva por parte dos fãs?
O que levanta a questão. Será mesmo que o problema reside na fidelidade da retratação desses personagens em tela? Ou possui outra motivação, muitas vezes oculta até para quem se incomoda? Eu estou tranquilo com os elfos de orelhas pontudas nos filmes e na série, mesmo isso jamais tendo sido descrito no legendário de Tolkien.
Mas enfim, você sabia dessa informação? Gostou do conteúdo? Discorda do que eu escrevi? Deixa aí o que você achou nos comentários. Toda opinião é válida desde que feita de forma respeitosa.