As Mortas (Las Muertas, 2025) - crítica, fatos e curiosidades da série da Netflix As Mortas (Las Muertas, 2025) - crítica, fatos e curiosidades da série da Netflix

As Mortas (Las Muertas, 2025) | Crítica da série | Netflix

A Netflix estreou a série mexicana As Mortas (Las Muertas), dirigida por Luis Estrada, que adapta o romance homônimo de Jorge Ibargüengoitia. Com seis episódios de uma hora, a produção combina drama histórico, sátira política e suspense, recriando de forma ficcional a trajetória das irmãs González Valenzuela, conhecidas no México dos anos 1960 como “Las Poquianchis”. Leia a nossa crítica da série:

A obra não se limita a narrar crimes reais, mas constrói uma atmosfera literária e quase mítica, aproximando-se do estilo de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Ao mesmo tempo, o humor negro e o tom satírico ajudam a desconstruir a violência mostrada na tela, explorando a corrupção e a impunidade que permitiram que duas mulheres comandassem um império de bordéis, manipulação e mortes durante décadas.

Inspiração na história real: Las Poquianchis

Na vida real, as irmãs González Valenzuela ficaram marcadas pela brutalidade com que administraram casas de prostituição no México dos anos 1950 e 1960, explorando mulheres e acumulando mortes que chocaram o país. O livro de Ibargüengoitia, publicado em 1977, tomou esses fatos como ponto de partida, mas optou por transformar os nomes e as circunstâncias, criando uma narrativa ficcional que permitia tratar os crimes sem amarras documentais.

Na série, as protagonistas se tornam Arcángela (Arcelia Ramírez) e Serafina Baladro (Paulina Gaitán), figuras que transitam entre a devoção religiosa e a frieza empresarial. Arcángela, a mais velha, é apresentada como calculista e pragmática, enquanto Serafina surge inicialmente mais vulnerável, mas logo revela uma ambição comparável à da irmã.

Linha do tempo fragmentada: a narrativa de As Mortas

As Mortas adota uma linha do tempo fragmentada. Logo no início, o espectador se depara com um evento central — a descoberta de um corpo em uma ravina — e, a partir daí, a história se reconstrói por diferentes pontos de vista. Personagens secundários contam versões próprias dos fatos, num formato que remete tanto a documentários criminais quanto a narrativas literárias de realismo mágico.

Essa multiplicidade de versões cria uma sensação de subjetividade permanente. Para uns, as irmãs são monstros implacáveis; para outros, benfeitoras que ajudavam quem estava por perto. A série explora essa ambiguidade para questionar o funcionamento de um sistema social em que a verdade depende de quem a narra e de quem detém o poder.

A atmosfera de Cem Anos de Solidão

Um dos aspectos mais interessantes de As Mortas é a construção de sua atmosfera. Estrada utiliza cenários, figurinos e uma fotografia em tons amarelados para dar à trama um aspecto quase mítico, evocando a sensação de fábula sombria. Essa escolha aproxima a série do universo de Cem Anos de Solidão, em que personagens comuns ganham dimensões épicas ao serem inseridos em ciclos de tragédia, corrupção e violência.

Nesse sentido, Arcángela e Serafina não são apenas criminosas, mas símbolos de um México onde religião, política e poder econômico se misturam em um terreno fértil para a impunidade. A série mostra como as duas constroem relações com militares, policiais e governantes, garantindo proteção enquanto expandem seus negócios ilegais.

Humor satírico em meio ao suspense

Embora trate de temas pesados — tráfico humano, assassinatos e exploração sexual —, a série não se apresenta como um drama realista convencional. Estrada recorre ao humor satírico como recurso para desnudar a corrupção institucional e a hipocrisia social. A trilha sonora exagerada, o ritmo teatral de algumas cenas e a própria ironia nos diálogos reforçam a ideia de que, para entender a brutalidade, é preciso também rir da engrenagem que a sustenta.

Esse recurso não diminui a violência dos fatos, mas cria um contraste que acentua a crítica política. As mortes não ocorrem em um vácuo: elas são produto de um sistema em que autoridades preferem manter acordos com criminosos a proteger vítimas.

O relacionamento entre Serafina e Simón

Entre os arcos mais marcantes está o relacionamento entre Serafina Baladro e Simón Corona (Alfonso Herrera). A relação atravessa anos, marcada por paixão, vingança e traição. Em vários momentos, a trama se desdobra como uma história de amor turbulento, para logo mergulhar em violência e conspirações.

Esse fio narrativo reforça a ideia de que os sentimentos pessoais das irmãs se confundem com a lógica de poder que guiava seus negócios. Serafina aparece dividida entre a paixão por Simón e a lealdade à irmã, criando um paralelo entre intimidade e destruição.

As Mortas (Las Muertas, 2025) - crítica, fatos e curiosidades da série da Netflix
Créditos da imagem: Netflix

Interpretações e elenco de Las Muertas

Arcelia Ramírez oferece uma performance que destaca o contraste entre a fé religiosa e a frieza de Arcángela, enquanto Paulina Gaitán interpreta a transformação de Serafina com intensidade, oscilando entre fragilidade e dureza. O elenco de apoio, com nomes como Joaquín Cosio e Alfonso Herrera, reforça a densidade dramática da trama, interpretando figuras que representam diferentes camadas da sociedade mexicana dos anos 1960.

A crítica social no centro da série da Netflix

Mais do que reconstruir a trajetória das irmãs Baladro, As Mortas questiona como foi possível que crimes tão evidentes permanecessem impunes por tanto tempo. O enredo mostra políticos, militares e policiais como cúmplices silenciosos, retratando um México marcado pela corrupção sistêmica.

Ao usar humor negro para expor esse cenário, Estrada aponta que a tragédia não é apenas a história das vítimas, mas também a perpetuação de um sistema que permitiu a ascensão de criminosas como Arcángela e Serafina.

Crítica: As Mortas (Las Muertas, 2025) vale à pena maratonar na Netflix?

As Mortas se destaca entre as produções recentes da Netflix ao unir suspense, crítica política e humor satírico em uma narrativa que dialoga tanto com a tradição literária latino-americana quanto com a linguagem dos dramas criminais modernos. Inspirada nos crimes das “Poquianchis”, mas sem se prender a uma reconstituição documental, a série cria uma fábula sombria sobre ganância, impunidade e poder.

Ao final, o espectador não encontra apenas uma história de assassinas em série, mas uma reflexão sobre como sociedades inteiras podem sustentar estruturas de violência quando a corrupção se torna regra.

Assista As Mortas na Netflix clicando aqui.