Você já assistiu um filme e ficou agoniado porque o personagem principal fez uma decisão idiota? Fica gritando para o protagonista pra fazer algo? As Dusk Falls, bem como outros jogos no estilo, são para você. Nessas narrativas interativas, você toma as decisões pelos personagens para moldar a narrativa mais ou menos como você quer. O jogo é liderado por Caroline Marchal, ex-lead designer da Quantic Dream, onde trabalhou em outros jogos narrativos como Heavy Rain e Beyond: Two Souls. Felizmente, ele consegue ser ainda melhor em questão de roteiro e direção que seus antigos trabalhos.
Em As Dusk Falls, você vai controlar dois personagens a maior parte do tempo. O primeiro é Vince, um pai de família que está mudando de emprego e de cidade junto com esposa, filha e pai. O segundo é Jay, o filho mais novo de uma família problemática. A vida dos dois se cruza quando um roubo dá errado e Jay e seus irmãos precisam se esconder em um hotel de estrada em que Vince e sua família estão.
É importante tirar logo este elefante da sala que é o visual único e polêmico do jogo. Os personagens de As Dusk Falls são representados por fotografias estáticas com efeitos e pintura por cima de atores reais. Os movimentos do jogo são feitos através de cortes nas ações dos personagens, criando um efeito de fade out, como se fosse um quadrinho animado. Esses personagens bidimensionais existem em um cenário com objetos 3D, criando um sentimento esquisito.
A verdade é que você se acostuma bem rápido com esse estilo artístico, geralmente completando as imagens “faltosas” com sua mente. Os únicos momentos em que fica especialmente estranho é quando os personagens 2D precisam interagir mais diretamente com o cenário tridimensional, mas esses momentos são raros. Essa escolha, inclusive, com certeza foi feita para que o jogo tenha diferentes caminhos narrativos sem que ficasse caro demais. Pela minha experiência, eu aceito mais jogos que usam essa decisão visual mais barata desde que tragam a qualidade narrativa e de escolhas que houveram aqui.
Grande parte da imersão, mesmo com imagens estáticas, se dá pelas ótimas vozes originais em inglês e pela direção desses atores. Dentre os dubladores, temos Elias Toufexis (Adam Jensen, de Deus Ex) e Jane Perry (Diana Burnwood, de Hitman), profissionais que já tem uma longa estrada em dublagem para jogos e conseguem entregar personagens complexos e interessantes. Felizmente, o jogo também está disponível tanto dublado como com legenda em português, sendo ainda mais acessível para o público tupiniquim.
Mas vamos falar sobre a história. As Dusk Falls tem uma das melhores narrativas que já vi em jogos, fácil. E isso diz mais sobre a indústria de jogos do que qualquer outra coisa. Porque o jogo não tem uma história ou roteiro perfeitos, mas ele consegue entregar cenas com suspense, tensão ou drama bem intimistas que não é comum você ver na mídia dos games. Ele traz discussões sobre família e decisões morais em situações bem complexas. Em diversos momentos, fiquei bem em dúvida sobre o que escolher enquanto o tempo passava, pois me preocupava com os personagens e suas histórias. Esses diversos personagens podem ter finais bem distintos baseados nas suas escolhas, mas, infelizmente, a cena final do jogo é a mesma para todos os jogadores. Essa cena final é o grande ponto baixo do jogo, pois ela “termina” a história de uma forma meio covarde com um gancho no lugar de colocar um ponto-final em tudo.
O gameplay do jogo não perde tempo com firulas e coloca o controle na mão do jogador nos momentos mais importantes. Você geralmente vai ter um tempo bem considerável para escolher as falas, e, em pontos mais chaves, o tempo congela para que você faça sua escolha. Uma das coisas legais é que, se você esperar alguns segundos para responder, em alguns momentos vai aparecer outra opção de fala ou ação, representando que o personagem não tomou uma decisão muito brusca. As cenas de ação trazem Quick Time Events praticamente impossíveis de errar de tão simples que são. Apesar de achar uma mecânica simples e praticamente sem estado de falha, eu entendo que é muito frustrante um personagem morrer só porque você errou um comando idiota. Isso porque vários personagens podem morrer baseado nas suas escolhas, e essas mortes geralmente pesam. Eu, particularmente, prefiro jogar esse tipo de jogo como falado no vídeo do Game Maker’s Toolkit sobre Until Dawn, o objetivo desses jogos não é tentar salvar todo mundo, mas atuar como diretor e guiar a história em um caminho que você acha mais interessante.
Outros aspecto interessante do gameplay é o modo multijogador com amigos ou para streaming, o que pode gerar interações divertidas com seus amigos tentando tomar as melhores decisões e discutindo sobre isso. Ao final de cada capítulo, você também tem uma porcentagem de jogadores que tomaram as mesmas decisões que você em cada ação e os caminhos diferentes que não pegou, ajudando no fator rejogabilidade.
As Dusk Falls é um jogo narrativo com um visual que não vai agradar a todos de primeira. Mas, recomendo dar uma chance, pois rapidamente você se acostuma com sua “desanimação”. Logo você percebe que essa escolha visual foi pensando na narrativa muito bem dirigida e atuada em um jogo que consegue tratar de temas pesados, raramente caindo na galhofa. Sempre achei que os jogos da Quantic Dream chegam muito perto de ter uma boa narrativa, mas sempre acabam sendo bregas ou toscos em diversos pontos. Aqui, consigo ver uma história mais madura, que tenta mais ser uma boa história, uma em que suas decisões realmente importam.