“Aquele” em que chorei por Matthew Perry

Sempre achei o auge da genialidade os títulos dos episódios de Friends. Cansei de nomear acontecimentos da minha vida como se estivesse numa sitcom. “Aquele em que caí com a bicicleta na piscina” ou “Aquele que comprei café ao invés de refresco”. Como a maior série da minha geração – discussões são sempre válidas -, Friends me fez rir e também me fez chorar. Mas nunca houve tristeza envolvida nesses momentos, provavelmente pela certeza de que tudo ficaria bem no episódio seguinte. Até o dia em que não teve um próximo episódio. Mas o choro desse fim de semana não foi o mesmo que caiu no último episódio da série. Chorei por Chandler, por Matthew Perry. Chorei como quem perdeu um amigo.

É curioso notar que hoje é brega demais ser fã de Friends. Virou motivo de chacota, e até mesmo existem aqueles que agradecem por nunca terem assistido um episódio na vida. Talvez os fãs sejam chatos demais. E sim, muitas coisas da série são problemáticas hoje, como questões raciais e piadas que não funcionam tão bem. Mas é impossível fechar os olhos para o fenômeno cultural que ela se tornou. Pois bem, para aqueles que abraçaram as aventuras dos amigos brancos de Nova York, Friends passou a ser algo mais. Não faltam comentários do tipo: a série que me fez aprender inglês, a série que me ajudou durante a depressão, a série que me fez perder a timidez. Para mim, é a série que me ajudou a conquistar a mulher com quem quero viver muitos episódios ao estilo “Aquele…”.

Óbvio que é inevitável não se identificar com os personagens ao longo das temporadas. Todos os homens já foram como Joey (Matt LeBlanc) em algum momento, um pouco como Ross (David Schwimmer) – ok, talvez um pouco demais. Mas, no fim do dia, todos queriam ser o Chandler. Matthew Perry, com seu timing cômico genial, entregou o personagem que moldou a personalidade de fãs ao redor do mundo. Usar sarcasmo e humor como mecanismo de defesa parecia natural e eficiente. Se a terapia fosse tão difundida quanto hoje, a discussão seria outra. Chandler sempre foi o cara como a gente. Com um emprego que não gostava e ninguém entendia, relacionamentos instáveis e problemas de autoestima. Mas ele também era engraçado, esperto, rápido nas respostas, e o tipo de amigo que todos querem por perto. E olha só, ele também era romântico e atencioso. Todos querem um Chandler.

Matthew Perry também foi o ator que mais se aproximou do público. Quando sua dependência química e a luta para se manter saudável vieram à tona, aquela linha imaginária que separa o astro dos meros mortais não existia mais. Nosso herói sangra, e Perry sofreu bastante enquanto vivia o auge de sua carreira. Ele nos fez entender Chandler e vice-versa. Me importava com a felicidade do ator e do personagem, como uma entidade única. Aprendemos a abraçar nossas falhas, falar sobre os medos e nos reconciliar com pessoas importantes (Aquele com o pai de Chandler).

Matthew Perry era bom demais para ser apenas “aquele cara de Friends”. Apesar de nunca ter virado o superastro como Jennifer Aniston, sempre explorou mais de suas facetas em outros papéis. Deixo como indicação póstuma a injustiçada Go On, onde mais uma vez Perry e seu personagem se misturam. De qualquer forma, ainda bem que ele fez aquele personagem de Friends e moldou uma geração. As chaves estão sob o balcão, o apartamento está vazio e as luzes se apagam. Mas não importa quanto açúcar eu coloque agora, o café sempre estará amargo demais.