Eu já escutei demais gente se questionando sobre a própria intelectualidade por não gostar de ler livros, mas são pessoas que são fãs fiéis das modalidades HQs e Graphic Novel, sendo sua “única” fonte de leitura, digamos assim. E, para reforçar esse pensamento, pessoas que amam livros subestimam quem apenas vive no mundo dos quadrinhos, como se fosse menos por ter figuras, sendo considerados “infantis” e coisa de “nerd virjão”.
Apesar de tal estigma ter melhorado nos dias atuais, devido à popularização das culturas nerd e geek, ele ainda existe e é repassado. Mas será que essas pessoas estão corretas em subestimar os quadrinhos, inclusive argumentando que não se tratam de literatura?
Quadrinhos como um gênero literário
“(…) os textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas” (BEAUGRANDE, 1997 apud Marcuschi, 2002).
As histórias já possuíram um formato chamado “não verbal”, pois está sempre em mudança de acordo com a necessidade da sociedade. Sabemos que, por exemplo, durante alguns séculos, a sociedade considerada como moderna (Grécia Antiga) não possuía a língua escrita, sendo toda a cultura e a literatura transmitidas de maneira oral. Ora, até hoje não se sabe se Homero existiu por não haver registros escritos!
Bakhtin (um dos maiores teóricos literários) considera que há uma diferença essencial que coloca os gêneros literários em duas categorias básicas: a dos primários e a dos secundários. Os primários são simples: comunicação verbal espontânea, enquanto os secundários são aqueles que aparecem em situações de comunicação cultural mais complexa e mais evoluída, principalmente na forma escrita. Assim, ele considera a literatura escrita como algo mais complicado do que a fala. De acordo com este teórico, os quadrinhos ficam na categoria secundária.
Eguti (outro teórico) diz que a história em quadrinhos não é um texto espontâneo, nem natural (como as conversações orais), pois nela o autor apenas recria, simula os diálogos e as situações que envolvem os falantes. Além disso, o espaço e o tempo em que os fatos ocorrem são produtos de um planejamento prévio tanto do tema quanto do aspecto linguístico-discursivo. Por isso, como Bakhtin considera, as HQs seriam um gênero secundário.
Não sei se entendi, e agora?
Segue o raciocínio:
1. O que é o gênero literário?
É um conjunto de obras que possuem características parecidas (grosseiramente falando) e servem para facilitar a classificação das obras.
2. Quais são os gêneros literários?
Simples: temos o romance, o conto, a crônica, o poema…
3. E como o quadrinho se encaixa nesses gêneros?
Bem, como dito antes, os gêneros fazem parte da comunicação humana – principalmente nos dias atuais com as redes sociais, em que boa parte das conversas são feitas por meio de textos curtos em aplicativos especializados nisso. Logo, as características linguísticas das HQs são possuir uma estrutura narrativa apresentada por meio de mensagem linguística e visual, com textos sintéticos (que são feitos a partir do que se quer falar sobre) e diretos, apresentados em balões ou legendas e com metáforas visuais.
Em resumo, sim. Histórias em quadrinhos são Literatura, visto que elas são a dicotomia verbal/não verbal, em que sua comunicação é feita tanto por palavras quanto por imagens, enquanto o que as pessoas consideram como sendo “literatura” são apenas palavras e descrições detalhadas. Ou seja, não há a diferença que se espera que haja. Inclusive, há uma facilidade até maior de se entender o que a personagem quer passar por meio dos balões.
Quem já leu a obra Sandman, de Neil Gaiman, deve ter visto esse recurso sendo utilizado de maneira genial, em que cada Perpétuo possui um estilo de balão para representar a sua figura. Por exemplo, os balões do próprio Sandman são pretos, com um estilo mais grosseiro – devido à sua personalidade -, enquanto Delírio tem balões coloridos, letras com formação desigual e aleatórias, representando o ser que ela é. São recursos narrativos bem empregados, bem pensados e bem aplicados – muito difíceis de se utilizar, por exemplo, em um texto literário de primeiro gênero.
AAAH, agora eu entendi!
Em meus tempos de vendedora em livraria no setor infantil, e até mesmo como professora, sempre vinha a questão: como fazer o meu filho se interessar pela leitura?
A maioria dos pais e das mães não estimulam seus filhos, mas querem que eles sejam leitores assíduos. Uma das dicas mais dadas para esse início de leitura são os quadrinhos. Quantos de nós não iniciamos o mundo da leitura por meio da Turma da Mônica? Ou talvez da Turma do Mickey. Alguns leram algo completo pela primeira vez ao ter acesso às histórias do Homem-Aranha, ou do Batman, ou até mesmo do Super-Homem. Essas leituras chamam atenção e encantam o/a leitor(a).
Então, se você apenas lê HQs e é chamado de infantil por isso, jogue na cara da pessoa: histórias em quadrinhos são sim literatura!