O texto a seguir contém SPOILERS da primeira metade da segunda temporada de Gotham.
A liberdade que Gotham proporciona aos seus produtores pode gerar momentos controversos e outros de extrema apreciação. Ter nas mãos personagens de um universo tão rico e com devotos fervorosos claramente assustou Bruno Heller e seus companheiros na primeira temporada. Mas cientes dos erros cometidos, a equipe chutou o balde na primeira metade da segunda temporada. Gotham não tem medo de desconstruir aquilo que já conhecíamos. E acerta em mostrar que não existe espaço para cavaleiros de armaduras reluzentes. Se quiser justiça, vai ter que pagar o preço que a cidade cobra.
Ben McKenzie (que vive agora um Jim Gordon tomado pela fúria), havia dito que o grande erro da primeira temporada de Gotham foi ter seguido um caminho procedural demais. O vilão aparecia, era perseguido e preso. De fato, faltava um grande plano para ser admirado. E na nova temporada esse “plano mestre” é personificado por Theo Galavan, vivido de forma excelente por James Frain. Sua vingança contra o jovem Bruce Wayne tem elementos fisgados diretamente das páginas dos quadrinhos, mesmo que seja um personagem criado exclusivamente para a série.
Como o subtítulo da nova temporada já entregava, os vilões seriam a alma de Gotham. E como foi apaixonante vê-los em ação. Dos Maniax – grupo formado pelos loucos do Arkham e que tinha Barbara no meio – saiu a principal figura do início da temporada: Jerome Valeska. Cameron Monaghan foi perfeito diante da proposta de seu personagem. Mas quando ninguém esperava, foi morto por Galavan. Tudo em nome do plano maior. Por mais que ele tenha deixado uma cicatriz profunda em Gotham, é impossível não sentir que foi um grande desperdício. Jerome pode ter sido a semente para o Coringa ou até mesmo a única personificação do personagem que veremos na série. Só o tempo dirá.
Mas quando um destaque morre, outro precisa tomar seu lugar. E coube a Edward Nygma (Cory Michael Smith) essa honra. Sua transformação em vilão foi lenta e bem construída. O carisma de Cory também ajudou o público a criar empatia pelo personagem. E sua parceria com o Pinguim ainda pode render bons frutos no futuro. Se existe um ponto negativo no lado dos caras maus é o personagem de Robin Lord Taylor. O Pinguim terminou a primeira temporada com tudo, mas foi engolido pelos novatos e por alguns companheiros antigos da casa.
No lado dos mocinhos, Bruce Wayne (David Mazouz) segue amadurecendo. Por mais que se mostre ainda ingênuo em algumas situações, é visível o caminho que ele está seguindo. Sua relação com Selina Kyle (Camren Bicondova) vai se consolidando, assim como a diferença entre eles. Existe amor entre os dois, assim como existe a mesma barreira que os mantém separados nas HQ’s. Numa série onde os adultos são o foco principal, é importante ver o núcleo pré-adolescente crescendo.
Outra mudança drástica da primeira para a segunda temporada de Gotham foi o excesso de mortes. A força policial da cidade foi alvo de ataques constantes e acabou sendo quase dizimada. Desde policiais experientes até os recém-saídos da academia. Ninguém esteve imune as loucuras dos vilões. Ponto para a coragem de abordar uma situação escassa em séries do mundo dos quadrinhos, principalmente as que estão sempre em evidência. E cada vida perdida se tornou um prego na consciência de Jim Gordon. Sem dúvidas foi ele que melhor entendeu o quanto Gotham pode ser cruel. E que a chuva cai sobre os justos e os injustos.
Todo esse clima de tensão acabou criando uma espécie de situação extrema, onde prevalece o velho “matar ou morrer”. O Jim Gordon que conhecemos nos quadrinhos servia como espelho para o Batman justamente por acreditar no sistema, até mesmo diante de situações onde essa fé foi duramente testada. Mas graças a liberdade permitida a série, Jim sujou as mãos várias vezes. É sempre saudável poder dar uma nova visão sobre algo já conhecido. Mas será que não existe uma linha que não deve ser cruzada?
Jim andou sempre do lado que ele julgou certo dessa linha. Mas os 11 episódios da primeira metade da temporada afetaram seu senso de justiça. No primeiro episódio do ano ele sujou as mãos pelo Pinguim para assim poder retornar a força policial. E no último episódio deu fim à vida de Theo Galavan, mais uma vez ao lado do Pinguim. Uma cena que colocou Jim em um terreno perigoso.
O tiro disparado para acabar com a vida de um homem que ia apanhar até a morte não foi um ato de misericórdia. Foi a prova de que Jim Gordon não confiava mais no sistema. Theo Galavan antes de morrer (ou não…) conseguiu provar para Jim que o sistema é falho de inúmeras formas. E que ele vai ter que pagar sempre o alto preço de Gotham se quiser realmente que algum tipo de justiça seja feito de verdade.
Agora que a linha foi cruzada, não é possível saber até onde Jim Gordon pode ir. Ele já viu que um tiro é mais simples do que encarar toda a burocracia e corrupção da cidade. E agora tem um tal de Senhor Frio congelando pessoas em becos escuros. Gotham vai precisar de seu herói, mesmo que ele ainda não mereça esse título.
Gotham retorna em fevereiro do ano que vem com a reta final da segunda temporada.