Além dos sustos e do sangue jorrando na tela, o gênero de terror é conhecido por trabalhar diversas alegorias. Explorar medos e traumas do cotidiano por meio de situações extremas é uma maneira eficaz de impactar os espectadores, resultando em produções que marcam gerações justamente por abordarem temas universais como “O Babadook” e “Corrente do Mal” – ambos de 2014. Abraço de Mãe, longa de terror nacional que estreia na Netflix esta semana, utiliza o clássico clichê da casa assombrada para tratar de uma metáfora macabra sobre o conturbado relacionamento entre pais e filhos e como os fantasmas do passado afetam nosso presente.
Em fevereiro de 1996, durante um dos temporais mais impiedosos que atingiu a cidade do Rio de Janeiro, uma equipe de bombeiros recebe um chamado para evacuar um asilo em risco de desabamento. Ana (Marjorie Estiano), uma jovem bombeira afastada após sofrer um ataque de pânico durante uma operação, se vê de volta à sua antiga equipe de resgate. Ao chegarem ao local, os bombeiros descobrem que os misteriosos moradores do asilo têm outros planos com a chegada da tempestade. Ana terá que enfrentar seu próprio passado para sobreviver e salvar os outros antes que seja tarde demais.
O diretor argentino Cristian Ponce (Historia de lo Oculto) mistura realidade e fantasia para construir a atmosfera claustrofóbica de “Abraço de Mãe”. Programas de rádio e jornais mostram que a cidade está mergulhada no caos, enquanto Ana e sua equipe enfrentam uma situação cada vez mais estranha. Ao isolar os personagens em um único ambiente, Ponce explora as possibilidades das paredes rachadas, dos corredores escuros e das goteiras incessantes no teto. Não demora muito para que as mentes dos bombeiros se tornem tão deterioradas quanto o velho asilo. Destaque para o design de produção e a caracterização do elenco de apoio.
No entanto, fica claro que o roteiro, escrito por Ponce, André Pereira e Gabriela Capello, não tem a intenção de mergulhar de cabeça no terror ou de explicar os mistérios por trás de toda a situação no asilo. O foco está em Ana e em sua relação problemática com a mãe. A abertura do longa e o uso de flashbacks deixam claro que a protagonista só conseguirá sobreviver se encarar e superar seus traumas. Dessa forma, o ambiente serve apenas como pano de fundo para essa luta pessoal. Infelizmente, a atmosfera de paranoia inicial de “Abraço de Mãe” acaba sacrificada nesse processo.
Assim como o mistério não é o foco principal, os personagens coadjuvantes acabam se limitando a arquétipos, como o capitão, o covarde, a mulher misteriosa, entre outros. Todo o destaque está na personagem vivida por Marjorie Estiano. Em uma das melhores fases de sua carreira, a atriz convence como a protagonista que ama o que faz, mas que precisa encontrar sua paz interior. Sem o talento dela, seria difícil para o espectador estabelecer um vínculo emocional com o filme e com a jornada de superação da personagem.
Apesar do roteiro inconstante, “Abraço de Mãe” se apoia em um ótimo design de produção e no brilho de Marjorie Estiano para entregar um interessante horror nacional, mostrando mais uma vez o quanto nossa indústria cinematográfica é diversificada, ao contrário do que muitos costumam pensar.
“Abraço de Mãe” estreia na Netflix no dia 23 de outubro.