O documentário A Vizinha Perfeita (The Perfect Neighbor, 2025), dirigido por Geeta Gandbhir, tem provocado comoção entre os assinantes da Netflix por sua abordagem direta e dolorosa sobre o assassinato de Ajike “AJ” Owens, uma mãe negra de quatro filhos morta pela vizinha branca Susan Lorincz, em Ocala, Flórida. Baseado inteiramente em imagens reais e gravações de emergência, o filme reconstitui a escalada de tensões entre as duas mulheres e questiona as leis de autodefesa que ainda legitimam a violência racial nos Estados Unidos.
A seguir, entenda o contexto do caso real, os bastidores da produção e a explicação completa do final do documentário que tem mobilizado debates em todo o mundo.
História Real: a tragédia que inspirou o documentário
Em 2 de junho de 2023, Ajike Owens foi morta com um tiro disparado através da porta de sua vizinha, Susan Lorincz. O conflito começou por um motivo aparentemente banal: as crianças de Owens brincavam em um terreno baldio ao lado da casa de Lorincz, que há meses vinha reclamando do barulho e chamando a polícia repetidamente.
Naquela noite, após mais uma discussão, Lorincz alegou ter se sentido ameaçada e atirou. O disparo atravessou a porta e atingiu Owens, que morreu antes de receber atendimento médico. A demora na prisão de Lorincz gerou protestos em Ocala, pois as autoridades avaliaram inicialmente se o caso poderia se enquadrar na polêmica lei de “defesa de posição” da Flórida, conhecida como Stand Your Ground.
Como o filme foi concebido
A diretora Geeta Gandbhir, o produtor Nikon Kwantu e a produtora Alisa Payne decidiram transformar o caso em um documentário após um contato pessoal com a família da vítima. A ativista Takema Robinson, parente de Kwantu e amiga próxima de Owens, alertou os cineastas sobre o assassinato e a ausência de medidas legais imediatas contra Lorincz.
O trio viajou até a Flórida para oferecer apoio à família e percebeu o potencial de registrar o caso como denúncia social. “A Vizinha Perfeita é um daqueles filmes que não queríamos precisar fazer”, declarou Payne. O objetivo, segundo os realizadores, era dar visibilidade à injustiça e transformar o luto da comunidade em ação coletiva.
A mãe da vítima, Pamela Dias, aceitou participar do projeto para preservar a memória da filha e denunciar a desigualdade racial por trás da tragédia. “Sinto que é meu dever carregar o espírito dela”, afirmou.
A estrutura do documentário
A Vizinha Perfeita é narrado quase inteiramente por meio de imagens de câmeras corporais de policiais, gravações do 911 e vídeos de segurança. Não há dramatizações nem entrevistas em estúdio. Essa abordagem faz com que o público acompanhe os eventos de forma crua, como se estivesse presente nas investigações.
As gravações mostram o cotidiano de uma vizinhança unida, onde famílias criavam seus filhos em ambiente de cooperação — até a chegada de Susan Lorincz, descrita como uma moradora que se isolava e frequentemente chamava a polícia por motivos banais.
A montagem do filme combina trechos de ocorrências policiais anteriores ao crime, revelando um padrão de comportamento hostil. Segundo Kwantu, os cineastas tiveram acesso a esse material por meio de um pedido legal da família Owens com base na Lei de Liberdade de Informação (FOIA).

O que acontece no final de A Vizinha Perfeita
O final do documentário mostra o desenrolar da investigação e o julgamento de Susan Lorincz. As imagens registram a comoção da comunidade e as tentativas da família Owens de pressionar por justiça. Após quatro dias de protestos e intensa repercussão nacional, Lorincz foi presa e acusada de homicídio culposo com arma de fogo, agressão e negligência.
O clímax do filme ocorre quando a sentença é lida: Susan Lorincz é condenada a 25 anos de prisão em agosto de 2024. A sequência final alterna cenas do tribunal, vigílias em homenagem a Owens e protestos pela revisão das leis de autodefesa. A montagem reforça a mensagem de que, embora a condenação represente uma forma de justiça, ela não repara o trauma coletivo causado pelo racismo e pela violência.
O encerramento exibe a mãe de Ajike, Pamela Dias, em um discurso emocionado. Ela afirma que a filha sempre acreditou que o mundo reconheceria seu nome — e que, infelizmente, isso aconteceu por meio da dor. As imagens finais mostram murais e camisetas com o rosto de Owens, acompanhadas da frase “Say Her Name”, símbolo do movimento contra a violência racial.
O significado das leis “Stand Your Ground”
O documentário também dedica tempo à contextualização da lei de autodefesa que ficou no centro do caso. Criada em 2005, a Stand Your Ground permite o uso de força letal quando uma pessoa acredita estar em perigo, mesmo que pudesse se afastar com segurança.
O filme relaciona o caso de Owens a outros episódios semelhantes, como o assassinato de Trayvon Martin, jovem negro morto em 2012 na Flórida. Em ambos os casos, a lei foi usada para justificar ações de pessoas brancas armadas que alegaram medo de vítimas negras desarmadas.
Geeta Gandbhir e seus produtores usam o desfecho de A Vizinha Perfeita para criticar o impacto dessa legislação sobre comunidades negras. Segundo Payne, “a lei é aplicada de forma desigual, protegendo quem tem privilégio e criminalizando quem vive sob ameaça constante”.

O papel da mãe de Ajike Owens no desfecho da história
A força de Pamela Dias é um dos elementos centrais do documentário. Sua presença no final do filme simboliza a luta por justiça e o esforço para transformar o luto em mobilização. Ela criou o Standing in the Gap Fund, uma iniciativa que oferece apoio financeiro e psicológico a famílias negras afetadas por crimes de ódio.
Em suas falas, Dias reforça que o documentário não é apenas uma denúncia, mas também uma ferramenta de empatia. “O filme é um apelo por mais compaixão e consciência comunitária”, afirma. Sua voz encerra a narrativa com uma mensagem de resistência e esperança, pedindo mudanças estruturais para evitar novas tragédias.
A mensagem final de A Vizinha Perfeita
O documentário termina com um alerta sobre os riscos de normalizar o medo e o preconceito como justificativas legais para a violência. Gandbhir defende que a obra sirva como reflexão sobre as consequências das políticas armamentistas e do racismo institucional.
A montagem final conecta a história de Owens a um panorama maior, mostrando estatísticas de homicídios motivados por disputas entre vizinhos e situações de “defesa de posição”. A trilha sonora cessa abruptamente no último minuto, deixando apenas o som ambiente das manifestações e a imagem de uma vela sendo apagada — símbolo do silêncio deixado pela perda.
Explicação do final de A Vizinha Perfeita
O desfecho de A Vizinha Perfeita deixa claro que, embora Susan Lorincz tenha sido condenada, a justiça alcançada é parcial. O filme mostra que a verdadeira reparação está na conscientização pública e na reforma das leis que permitem o uso da força letal com base em percepções subjetivas de ameaça.
A obra também funciona como homenagem à memória de Ajike Owens, lembrada não como vítima, mas como símbolo de resiliência. Ao expor imagens reais e depoimentos autênticos, o documentário questiona até que ponto o medo pode ser usado como desculpa para matar.
No fim, o título “A Vizinha Perfeita” ganha um tom irônico: a autodefinição de Lorincz contrasta com a destruição que ela causou à comunidade. O último plano, que mostra o pôr do sol sobre o bairro onde tudo aconteceu, sugere que o luto permanece, mas que a busca por justiça continua.