Todos já nascemos com nosso destino traçado. Nossa condição financeira e social já foi planejada há muito tempo. Talvez seja parte de algo maior ou apenas uma sádica brincadeira do destino. A verdade é que não podemos fugir disso, assim como o chapéu vai na cabeça e o sapato no pé.
Se erguer contra o que se julga injusto pode acabar sendo um completo desperdício de energia. Na queda de braço que travamos todos os dias, é impossível vencer o braço forte do acaso. O mesmo que nos colocou na base da pirâmide da sociedade.
Pessimista não? É impossível não pensar nisso enquanto se assiste Expresso do Amanhã. Quando presenciamos que mesmo diante de uma quase extinção, a humanidade consegue manter suas piores faces e práticas. Porque não importa se restaram 1000 ou 10 pessoas, alguém tem que mandar e o resto apenas obedecer.
O longa baseado na graphic novel francesa “Le Transperceneige”, de Jean-Marc Rochette e Jacques Loeb, mostra um futuro onde um grande erro foi cometido. No auge da crise do aquecimento global, um experimento foi criado para garantir que a temperatura da Terra se estabilizasse. Mas ele deu errado e nos colocou em uma nova era glacial. Agora o que restou da população vive em um trem que circula o globo sem parar.
É através da intrigante mente do sul-coreano Joon-ho Bong (do ótimo Mother – A Busca pela Verdade) que o longa ganha vida. Somos apresentados à cauda do trem, onde vive a parte pobre dos passageiros. Sujos, machucados, mal alimentados e humilhados. Cansado de tudo isso, Curtis (Chris Evans) arquiteta um plano para salvar seu povo. Com o material certo em mãos, ele parte para uma missão suicida visando um ilusório bem maior.
Sim, Expresso do Amanhã é recheado dos grandes clichês do mundo. Mas é forte o suficiente para não se afogar no meio deles. A disparidade de poder fica clara nas primeiras cenas do filme. Parece que trancados dentro de um trem, atos tão comuns hoje em dia ganham contornos ainda mais cruéis. A humanidade precisa se manter em equilíbrio e todo mundo sabe de que lado a corda sempre arrebenta. É como eu disse lá em cima, o chapéu vai na cabeça e o sapato no pé. O contrário não funciona.
Á medida em que vamos passeando pelos compartimentos do trem, um novo aspecto do comportamento humano é mostrado. A educação elitista que muitas vezes ensina que o que vem de baixo não presta. Que lugar de pobre é na favela, ou no fundo do trem nesse caso. Uma pequena extravagância culinária diante de pessoas que comem basicamente insetos moídos. Traçando mais um paralelo com nossa realidade, é o mesmo de jogar comida fora sabendo que muitas pessoas até matariam por um pedaço. E as festas, recheadas de álcool e drogas. Até porque existem motivos de sobra para celebrar. E na ponta do maravilhoso Expresso do Amanhã está o homem que foi iludido por seus próprios ideais. A personificação do lado negro do ser humano.
Não existe espaço para a felicidade diante de uma revolução. Sacrifícios precisam ser feitos. Pedaços do corpo e até mesmo da alma tem que ser arrancados para que tudo faça sentido. E o longa vai nos mostrando isso através de cada luta, tiroteio e esfaqueamento. No fundo aqueles que se orgulham de ter sangue azul acabam percebendo, antes do suspiro final, que ele é tão rubro quanto o dos menos favorecidos. E os que estão escalando para o topo descobrem que sonho e realidade são cruelmente diferentes.
Mas para tentar salvar o “mundo” é preciso primeiro exorcizar seus próprio demônios. E só o que não falta no Expresso do Amanhã são pecadores. Todos já fizeram coisas ruins para garantir sua própria sobrevivência. “Sem liderança as pessoas comem umas as outras” é o que diz Wilford (Ed Harris) para Curtis. E o próprio mocinho da história é a grande prova disso. Desconstruir aparências é a grande missão do filme. E como é delicioso ver cada camada sendo exposta. Toda crueldade é realmente necessária para cumprir a missão? E como reagir quando tudo em que se acredita, a força que te move, é destruída diante de seus olhos? Abraçar seu opressor ou embarcar na provável loucura de um aliado? Tantas perguntas para responder em tão pouco tempo.
Uma revolução nem sempre leva ao destino certo, mas sempre chega em algum lugar. Deixando para trás rastros de morte e desilusões. Em tempos caóticos, até mesmo a mais venenosa das motivações serve como força. Ódio, vingança e etc deixam de existir e passam a ser apenas muletas. E cada passo cambaleante que é dado para frente, faz surgir uma única certeza: não se pode parar jamais.
Expresso do Amanhã deixa seu cérebro matutando enquanto os créditos sobem. Mas mostra também que a humanidade está fadada a ciclos de auto-destruição. Tudo chega ao fim para ter um novo começo. Não tem para onde correr ou como impedir. É como um trem que anda em círculos, buscando algo que ninguém se lembra mais.