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A Pequena Sereia: Repensando a Representação Feminina

No dia 25 de maio, estreia no cinema a mais nova adaptação em live-action de um filme da Disney. Estou falando de A Pequena Sereia, que vem com uma intenção muito nobre de expandir a representatividade das princesas Disney e tudo mais. Porém, não é dessa nova versão que eu vou tratar aqui, e sim de sua primeira versão animada, que, no meu ponto de vista, conta uma história bem problemática sobre uma princesa mimada e inconsequente que quase destrói a família por causa de um príncipe que ela nem conhecia. Pois bem, venha comigo nesse mar de sentimentos que emanam do meu coração a respeito dessa animação clássica.

O filme A Pequena Sereia é uma das animações mais famosas da Disney, lançada em 1989. O filme conta a história de Ariel, uma sereia que sonha em viver no mundo dos humanos e se apaixona pelo príncipe Eric. Bem, é uma premissa simples, baseada em conto de mesmo nome escrito em 1837 por Hans Christian Andersen. Porém, diferente do conto que deu inspiração ao longa animado, a Disney resolveu dar um final inconsequente à história, quebrando completamente a “lição de moral” do conto original.

Na versão de Andersen, a sereia se torna espuma do mar e se dissolve, ascendendo ao céu para uma nuvem cor-de-rosa-avermelhada enquanto observa o príncipe e sua noiva seguirem sua vida felizes. É um final bem amargo e cheio de significado, seja pelas consequências de alguém que agiu de forma egoísta e inconsequente, ferindo a própria família, seja pelo fato de a história supostamente ser baseado em um romance homoafetivo do autor, o que torna a história simples cheia de camadas interessantes.

A Pequena Sereia

Pois bem, a Disney, querendo superar o problemão que teve com o filme O Caldeirão Mágico, lançado em 1985, e que supostamente quase teria falido a Casa do Mickey, decide lançar sua versão do conto de A pequena sereia, porém o final não agradava o estúdio, que costuma não gostar de finais tristes. Foi então que os animadores Ron Clements e John Musker foram escalados para reescrever a conto e dirigir o longa animado.

E assim, né, gente, eles tinham acabado de lançar o primeiro filme animado deles, intitulado de Rato Basílio, o Grande Mestre dos Detectives, e não era como se fossem os caras mais experientes, mas eles tinham um futuro bom pela frente. E sim, essa é a mesma dupla que escreveu e dirigiu filmes como Aladdin, Hércules, O Planeta do Tesouro, A Princesa e o Sapo e Moana.

A ideia era atualizar o conto e deixar ele mais palatável para o público infantil, porém, eles acabaram errando feio nessa adaptação, pois apesar de ser um clássico amado por muitas pessoas é importante reconhecer que a representação de personagens femininos no filme é problemática.

Desde o início, Ariel é apresentada como uma personagem que não está satisfeita com sua vida atual e deseja mudar. Entendo que a monotonia de ter tudo o que se quer e viver uma vida de luxo e mordomias não é uma coisa com a qual eu consiga me relacionar, mas o fato de ela aspirar algo novo e ter a curiosidade por outras culturas e desbravar o mundo é super válido, inclusive, essa parte traz uma das coisas boas do filme, que é a música “Part of Your World”, escrita e composta por Alan Menken e Howard Ashman. Aliás, Ashman, que também era coprodutor do filme, supostamente teria escrito essa música, também inspirado em uma relação homoafetiva que ele tinha, o que tornaria tudo mais próximo ao conto original e rico para um subtexto da trama.

Porém, em vez de mostrar uma adolescente destemida em busca dos conhecimentos sobre a vida humana e o desbravamento desse mundo novo que ela desconhecia, a história foca sua motivação em de fato sair da inércia do palácio e ir buscar coisas novas no príncipe Eric, que ela mal conhece. E toda a motivação do resto do filme gira em torno desse príncipe.

Ariel não faz um pacto com a Úrsula para conhecer o mundo e descobrir as coisas novas que ela tanto tinha interesse. A partir do momento em que ela salva o Eric do naufrágio, a história toda fica centrada no desejo da adolescente em se casar com o príncipe, e a única maneira de ela alcançar seus objetivos é abandonar sua identidade de sereia, seu pai e sua voz, o que implica que ela só pode ser feliz se deixar para trás suas raízes e se dedicar de corpo e alma a esse cara que sequer conhece.

úrsula

Esse sacrifício todo poderia ser feito de uma forma bem diferente já que iam adaptar a história. Ela bem poderia ter feito esse pacto de forma impulsiva para ir atrás do conhecimento que tanto almejava do mundo, e já no mundo esbarrar com o príncipe Eric e assim construir o romance. Mas da forma que foi realizado, só fizeram da Ariel uma menina mimada que deixa um reino inteiro por causa de macho.

A Disney tentou retratar a personagem como forte e independente, que luta por seus objetivos, porém acabou falhando na execução, já que a história poderia ser adaptada para mostrar Ariel aprendendo a valorizar suas raízes e sua cultura, uma vez que ela percebesse que o mundo dos homens não é perfeito, e que apesar de existir muita beleza, existe também muitas tristeza e raiva. Mas não, não existe um arco evolutivo, em nenhum momento a Ariel sofre alguma consequência de seus erros, além do fato de que ela fica sem voz por um breve momento do filme.

E não é que eu queira um final triste para o filme, a Disney poderia ter seu final “felizes para sempre”, só gostaria que o filme fosse construído de uma forma em que a Ariel não fosse uma menina mimada que consegue tudo o que quer mesmo fazendo merda, e pior, fazendo merda por um cara que ela nem conhecia. Ainda bem que a dupla aprendeu com os erros e foi corrigindo a forma de representar suas princesas ao longo dos anos. Jasmin, Mégara, Tiana e Moana agradecem.

Eu poderia acrescentar que já é bem problemático o fato de ser um romance de uma adolescente com um homem adulto, porém essa infelizmente era a fórmula das princesas clássicas, então seria injusto com a Ariel apontar isso com um erro exclusivo desse filme, porém, esse foi outro ponto em que a dupla de realizadores do filme corrigiram em suas demais produções, reconhecendo que uma adolescente largar tudo pra casar com um adulto, não era a melhor maneira de se contar uma história.

Por fim, a Disney tem uma oportunidade de ouro de fazer uma correção de rumo nessa versão live-action, já que ela demonstrou uma boa mudança com a diversidade das representações femininas no filme. Porém, melhorar a representatividade feminina em A Pequena Sereia exigiria uma abordagem mais cuidadosa e consciente na hora de criar personagens fortes e complexas. Não que eu acredite que a Disney vá alterar a história da animação, mas não custa sonhar.

E é isso meu povo, vocês concordam comigo ou acham que eu deveria queimar sob o raio do tridente do rei Tritão? Responde ai nos comentários.