Em 1837, Hans Christian Andersen deu para o mundo uma das histórias mais icônicas já conhecidas: A pequena sereia, também conhecida como Ah que pena seria, que foi escrita em homenagem ao seu triste amor não correspondido, no típico plot de se apaixonar pelo melhor amigo. Em 1989, essa mesma sereia salvou a Disney, tirando-a do buraco de filmes sem sucesso (o que eu acho um absurdo, não entendo como O caldeirão mágico não conquistou o público!) e voltando a elevar o espírito do querido Waldisney.
A princesa do mar preencheu os corações da garotada na década de 1990, e toda menina (e meninos também, mas muita gente finge que não) sonhava em ser uma sereia ruiva em um romance cheio de aventuras com um príncipe bonitão. O filme é uma das obras mais lembradas da Disney até hoje, e, nessa onda de live-actions em que a casa do Mickey se meteu, A pequena sereia não poderia ficar de fora, chegando agora, em pleo 2023, 34 anos depois, para reacender esse amor pela princesa ruiva.
A começar por algumas mudanças feitas na história, que foram para melhor. Uma das problemáticas contempladas no filme de 1989 é que Ariel acaba com a vida da própria família para ficar com um homem que nem conhece, mais velho, e no final não tinha muita consequência – afinal, princesa da Disney, né? Aqui, nessa nova versão, a nossa querida sereia rebelde está mais focada em conquistar a sua liberdade e conhecer o mundo da superfície, cansada das mesmas águas de sempre. Porém, seu pai, o rei Tritão, instaurou uma regra oficial de que os humanos não devem ver as sereias, logo, elas não devem pôr as caudas para fora da água para não correrem o risco de terem o mesmo final trágico de sua amada esposa.
Mas Ariel segue os preceitos da rainha, tendo uma consciência incrível sobre como é injusto que o pai condene uma raça inteira por causa do erro de um (embora o pai dela estivesse certo mesmo, nenhum ser não humano deveria confiar em humano). Para ela, nem todo ser humano é mal, e o mundo de cima tem muito a ensinar o de baixo. Com o pai sendo inflexível, só resta à garota recorrer à decisão mais adolescente possível: aceitar um contrato absurdo com a sua tia Úrsula em troca da oportunidade de conquistar o príncipe Eric e viver como uma humana.
Acontece que o interesse da princesinha não é baseado estritamente na aparência dele como na versão de 1989, aqui, o rapaz é tão sonhador quanto ela, desejando ser livre da opressão do castelo e de seus deveres engessados assim como ela, e querendo navegar o mundo para descobrir novas terras, culturas, povos, quer aprender com eles e levar essas riquezas ao seu próprio povo. Ambos têm basicamente as mesmas ambições, e Ariel fica encantada em encontrar alguém que pensa como ela – algo que seu pai não entende.
E aliás, o príncipe também não se apaixona por ela do nada. Como ele não a reconhece com a sua salvadora, ele não age estranhamente apaixonado do mais absoluto nada, eles têm interações mais profundas do que no filme de 1989, o que justifica o interesse romântico dele por ela. Pela sua salvadora, é claro na trama que ele sente outra coisa. E então a história leva as coisas para um lado mais interessante, em que Halle Bailey pode mostrar todo o seu talento como atriz, pois é nesse ponto que Ariel está sem voz e ela precisa “falar” com o corpo, conseguindo magistralmente esse feito. Seu rosto é bem expressivo, sendo bem fácil entender o que ela está querendo dizer, e o carisma da gata só melhora tudo. E a atriz é linda, né? Então, os racistas que chorem.
Úrsula está tão incrível quanto na animação, tendo o trabalho incrível de Melissa McCarthy, que saiu da sua personagem de sempre para compor uma vilã que vomita sarcasmo, tem um tom de voz amargo, mas poderoso, uma presença misteriosa que evoca uma vilania no ponto correto. Simplesmente, amei.
O príncipe Eric de Jonah Hauer-King é um fofo, com aquela ânsia por mais que é necessário ao personagem e ele tem até uma música própria dessa vez, maaaaaaaas… o personagem continua sem fazer muito por Ariel. Sebastião ainda é o verdadeiro dono do filme, assim como no “original” da Waldisney, e a figura do siri falante não ficou esquisita ou parecendo sair de um documentário. Sim, Rei Leão, eu estou olhando para você.
O filme percorre toda a história que já conhecemos com uma roupagem mais moderna, como deveria ser – afinal, estamos em 2023 e os tempos são outros. Inclusive, as músicas icônicas estão todas lá para cantarmos junto, com apenas poucas alterações nas letras, além de canções novas que com certeza devem entrar no seu repertório, pois, claro, temos ai Lin-Manuel Miranda novamente cuidando dessa parte. Kingo.
Infelizmente, o live-action não é lá 100% incrível. Poderiam ter cortado várias partes do final, que é diferente do de 1989 e já aviso que não tem vestido glamourozo cheio de brilhos enquanto Ariel sai da água. Aumentaram muito as últimas cenas de forma desnecessária, talvez tentando cobrir uma agenda em que o filme deveria ter aquele tempo de duração? Não sei, mas tendo uns 15-20 a menos, o longa ficaria melhor ainda.
Javier Barden como o rei dos 7 mares ficou meio… faltou um salzinho na atuação dele, não parecia empolgado em estar ali. Mesmo ele sendo um ator maravilhoso, que conseguiu trazer o querido Tritão para o nosso mundo, talvez faltou um toque mais pessoal para que o personagem tivesse mais vida, como as outras pessoas que atuaram no filme fizeram.
Sabemos que um dos focos na escolha do elenco foi trazer diversidade para as telas, então vemos todo tipo de sereia… desde que tenham cinturinha fina. A única sereia plus size aparece rapidamente no final. Se você ver outra, me fale.
A versão live-action de A pequena sereia não é um fracasso retumbante como vários racistas e puristas esperavam que fosse, na verdade, o filme vai encantar as novas crianças que forem ao cinema (ou verem pela plataforma de streaming) e evocar toda a nostalgia que os adultos precisam para equilibrar ali as pontas de um público engajado. Além disso, essa nova versão traz um peso especial: o de mostrar a milhares de crianças que mal se veem representadas em tela que elas podem sim ser princesas, que elas podem conquistar o mundo, que podem bater suas caldas e irem longe. Iguaizinhas à princesa do mar.