Cachorros cobertos por caixas, modelos cubistas, peles repuxadas por cubos metálicos e cabeças espremidas se tornarem retângulos perfeitos. Essa variedade de designs integram o rico universo de “A Outra Forma“, um filme que expressa como a ideologia domina corações e mentes, a ponto de fazer todos se retorcerem, repuxarem, espremerem e o que mais for necessário para caber na fôrma determinada.
O longa acompanha a jornada de Pedro Prensa, que luta para moldar sua cabeça até que ela seja suficientemente quadrada e alongada para alcançar o almejado Paraíso da Lua Quadrada. Esse lugar é reservado àqueles que conseguem se encaixar em forminhas que lembram peças de Tetris, prometendo um descanso eterno, ainda que desconfortável. Enquanto alguns recorrem à reabilitação, outros optam por medidas extremas, como arrancar partes do próprio corpo que não se “enquadraram”, tudo para conquistar o sonhado paraíso lunar. Durante sua passagem pela reabilitação, Pedro encontra outros rejeitados do mundo quadrado e, com eles, enfrenta a aparente revolta do espírito da terra contra aquela realidade artificial e angular. Ao contemplar a lua novamente, como fazia na infância, Pedro se recorda de que nem sempre a sociedade foi assim — e que ela não precisa continuar sendo.
Ao assistir “A Outra Forma”, lembrei da sensação que “As bicicletas de Belleville” me causou com seus layouts que, ao mesmo tempo que ativam o vale da estranheza por buscar um realismo, são também estranhamente exagerados. Com o desenrolar da trama e a apresentação de outros personagens, o filme colombiano também me remeteu às loucuras visuais e oníricas da animação japonesa “Paprika” (2006), de Satoshi Kon.
É possível sentir o empenho e o entusiasmo direcionados à produção de algo artesanal, feito com poucas mãos, fruto de um comprometimento afetivo com a obra. Segundo a equipe brasileira que trabalhou nessa co-produção Colômbia X Brasil, o diretor, Diego Guzman, planejou o filme inteiro e dedicou anos de sua vida persistindo no projeto. Conforme relatam: “Nossa parceria nos ensinou o quanto um animador precisa ser perseverante para realizar um longa. Ainda mais no contexto em que nos encontramos, de latino americanos, onde tudo é muito mais difícil. Ver o filme pronto, circulando, parecia um sonho distante, e nos inspiramos na resiliência do Diego para chegarmos até aqui”, conclui a dupla de brasileiros Valu Vasconcelos, diretor de animação, e Marcelo Cyro, designer de som. Infelizmente, para nós que produzimos animação aqui, é uma história antiga que ainda hoje se repete.
Nessa toada, percebe-se também algumas limitações que a obra apresenta. Por exemplo, o filme não possui diálogos. Embora essa escolha pareça mais uma decisão artística do que uma limitação técnica — considerando como ela complementa a atmosfera da narrativa —, a ausência de explicações claras prejudica o entendimento de certas motivações e situações. Além disso, enquanto algumas ações se repetem excessivamente, outras não são suficientemente desenvolvidas. A montagem, por vezes, carece de ritmo, especialmente nos momentos que exigem maior dinamismo para o avanço da trama.
De todo modo, mais até do que as desventuras dos personagens “mal enquadrados”, o que realmente impressiona são as cenas abertas, os efeitos e os acontecimentos do universo de “A Outra Forma”. Essas passagens, embaladas por uma trilha sonora envolvente, despertam a curiosidade sobre as técnicas de animação utilizadas para dar vida ao surrealista mundo quadrado.