Imagine um homem que resolve ter seu próprio país independente sediado em um ilha no meio do mar. A Incrível História da Ilha das Rosas já seria maluca se tivesse saído, originalmente, da cabeça dos roteiristas, mas realidade foi a própria mãe de tamanha criatividade. O filme, baseado em uma história real, é dirigido por Sydney Sibilia, que também assina o roteiro ao lado de Francesca Manieri.
O filme é mais uma das investidas da Netflix em produções que falam outras línguas no idioma e também na tela. O ator Elio Germano interpreta o engenheiro bolonhês Giorgio Rosa que, em 1968, resolve construir uma ilha no Mar Adriático, distante da praia o suficiente para estar em águas internacionais e declara a ilha independente da Itália. Junto de Rosa, está seu fiel amigo de faculdade Maurizio e um divertido grupo de figuras inusitadas que vão parar na ilha. Entre elas está uma bartender grávida, um náufrago e um fugitivo de guerra que virou promoter de baladas. O elenco de coadjuvantes em grande sintonia faz um escada interessante para os arcos principais de Elio. Esta fauna de personagens já seria o suficiente para bons conflitos e boas risadas, mas a ilha tem espaço para muito mais.
O tom refinado de comédia ao mesmo tempo pueril e crítico, coloca Elio Germano como um Roberto Benigni da geração do streaming. A aproximação não vem só pelo humor genuíno e o idioma italiano, mas também pela interpretação singela e doce, principalmente nas cenas com a grande paixão de Giorgio Rosa, a bela Gabriella, interpretada por Matilda De Angelis. A ex-namorada que Rosa quer reconquistar também é seu contraponto. Uma advogada especialista em direito internacional é o par perfeito para quem vai enfrentar problemas com as lideranças italianas e até recorrer a ONU pelo seu reconhecimento como nação.
A tensão do filme acaba ganhando ares de seriedade quando a ilha vira manchete nas capas dos jornais. Afinal, ela passou a ter uma programação constante, visitas diárias de curiosos e jovens atrás da liberdade de suas festas. Entre os dois maiores dramas de Giorgio, criar um local independente e ao mesmo tempo reconquistar Gabriella, o divertido texto dá o tom necessário para um filme que questiona também o que é a liberdade. Os arcos de romance e de aventura jurídica se entrelaçam muito bem.
Outro ingrediente italianíssimo são as paisagens incríveis do litoral da Itália, com uma direção de arte que priorizou o realismo sim, mas com um colorido alaranjado especial. Essa textura de contrastes e cores vivas parece nos querer colocar em um cenário de sonho, de devaneio. Aliás, a pergunta que povoa a mente do espectador o tempo todo é: isso aconteceu mesmo? O produtor do filme, Matteo Rovere, avisou em uma entrevista que “85% do que o filme mostra aconteceu de fato, e apenas 15% foi a alterado ou incluído na história original, porque ela já era, por si só, fantástica”. Ele tem razão.
A ilha, que ganhou selo próprio, adotou o Esperanto como idioma e teve centenas de pedidos de cidadania. Ela não teve vida longa na vida real, mas está eternizada em um filme delicioso de assistir e que nos estimula a buscar outros idiomas, sons, cores e intensões em nossas escolhas fílmicas ou na própria vida. Os donos de streamings contam com isso.