O cinema de Shih-Ching Tsou retorna com força em A Garota Canhota (Left-Handed Girl), longa que marca sua estreia solo na direção após anos de colaboração com Sean Baker — vencedor do Oscar por Anora. O novo filme, coescrito por ambos, estreou em festivais internacionais e chega à Netflix em novembro, apresentando uma história sobre sobrevivência, afeto e resiliência feminina ambientada nas ruas de Taipei. Confira a crítica do filme que chega na Netflix:
A Garota Canhota
Uma história sobre três gerações e um novo começo
A trama acompanha Shu-Fen (Janel Tsai) e suas filhas, I-Ann (Shih-Yuan Ma) e I-Jing (Nina Yeh), enquanto tentam recomeçar a vida na capital taiwanesa. Após se mudar para Taipei, Shu-Fen abre uma barraca de macarrão em um movimentado mercado noturno, mas enfrenta as dificuldades de sustentar duas filhas sozinha e de lidar com os próprios pais, que vivem próximos.
A filha mais velha, I-Ann, abandonou a escola e trabalha vendendo noz de betel, em um ambiente hostil e machista. Já a pequena I-Jing, curiosa e imaginativa, tenta compreender o mundo ao seu redor e desafia as superstições do avô, que considera sua canhotice um sinal negativo. A rotina dessas três mulheres é atravessada por questões de classe, tradição e independência — temas que Shih-Ching Tsou retrata com sensibilidade e naturalismo.
O olhar de Tsou e Baker sobre o cotidiano
Desde Take Out (2004), seu primeiro trabalho em parceria com Sean Baker, Tsou vem explorando personagens à margem, retratando a solidariedade e o calor humano que emergem mesmo nas condições mais duras. Em A Garota Canhota, essa abordagem reaparece com força. Cada personagem enfrenta obstáculos pessoais, mas a diretora mostra como pequenos gestos de bondade e amor tornam possível suportar as adversidades.
O roteiro alterna as perspectivas das três protagonistas de maneira equilibrada, permitindo que cada jornada ganhe peso próprio. Shu-Fen representa a exaustão materna diante da pressão econômica; I-Ann vive o conflito entre liberdade e responsabilidade; e I-Jing, com seu olhar infantil, traduz o espírito de descoberta que permeia o filme. Essa estrutura reforça a ideia de que, apesar das gerações e das diferenças, todas compartilham o mesmo desejo de encontrar um lugar no mundo.
Estilo visual e atuações
Filmado com iPhone, o longa se destaca pelo impacto visual. Tsou utiliza as luzes de néon de Taipei e as cores vibrantes dos mercados noturnos para compor uma estética que combina realismo e lirismo. A cidade surge como um personagem vivo, repleta de sons, cheiros e movimento, refletindo tanto o caos urbano quanto a ternura dos vínculos familiares.
O trio central sustenta o filme com atuações marcantes. Janel Tsai constrói Shu-Fen com contenção e cansaço, transmitindo o peso de quem tenta manter a família unida. Shih-Yuan Ma oferece intensidade e vulnerabilidade como I-Ann, cujo arco dramático se torna o mais contundente da narrativa. Já Nina Yeh, intérprete de I-Jing, dá leveza e autenticidade ao olhar infantil que conduz parte da história.

Crítica de A Garota Canhota: vale à pena assistir na Netflix?
Uma estreia solo que reafirma uma cineasta
Com A Garota Canhota, Shih-Ching Tsou confirma seu talento como diretora independente. A obra preserva o humanismo e a atenção aos detalhes que caracterizam o cinema de Sean Baker, mas exibe uma voz própria, centrada na experiência feminina e na força das relações familiares.
Mais do que um retrato social, o filme é uma celebração das conexões humanas que resistem mesmo diante das dificuldades. Ao transformar gestos simples em momentos de grande emoção, Tsou entrega um dos trabalhos mais sensíveis e visualmente marcantes do cinema asiático recente.