Não que eu esteja desmerecendo A Fera do Mar, mas, dado o histórico do Oscar, esperava muito mais um genérico da Disney como Lightyear. Mas, desta vez, a vaga ficou para o genérico da Netflix, filme que, quando vi o nome nos indicados, nem recordava qual era. Quando pesquisei, para completar a maratona da premiação, lembrei que já tinha assistido e que a experiência foi bem divertida. Mas é isso, um filme agradável e esquecível. Um feijão com arroz. Uma espécie de combinação entre Como Treinar o Seu Dragão e Moby Dick.
O filme conta a história da união entre Jacob (Karl Urban) e Maisie (Zaris-Angel Hator): ele é um jovem pirata prodígio, provavelmente o futuro líder de seu clã, que veleja pelo mar em busca da grande fera Bravata Vermelha sob ordens dos monarcas de seu reino. Ela, por sua vez, é garotinha órfã, ávida pelas lendas sobre as grandes feras do mar e seus caçadores, como também por aventuras. O que une os dois, contudo, não é só a vontade de viver se arriscando no mar, pois têm um passado semelhante — ambos perderam suas famílias e, portanto, vivenciaram traumas por conta da guerra declarada contra essas Feras marítimas, conflito que ninguém nem sabe mais quando começou, nem o porquê. À população resta apenas odiá-las, sem levantar questionamentos mais profundos.
É nesse universo em que Maisie foge do orfanato e, embora repelida por Jacob inicialmente, embarca escondida no navio em que ele viaja com sua trupe. Quando é descoberta, em alto mar, os caçadores frustram o sonho da garota e prometem deixá-la na próxima praia. Antes disso, porém, encontram a Bravata Vermelha. Como é o mais procurado e mais terrível adversário, nem toda habilidade dos caçadores impede que ela cause um estrago e leve consigo Jacob e Maisie.
Se tudo parece perdido num primeiro momento — afinal, eles são engolidos, conseguem sobreviver até chegar em uma lendária ilha onde não há humanos, somente os grandes seres marinhos. É aí que as certezas dos dois começam a ser abaladas. Primeiro porque a Bravata Vermelha decide não matá-los. Segundo, nenhum dos supostos monstros os tratam de forma hostil sem motivo, pelo contrário. Lá conhecem Blue, a ferinha mais fofa e o sidekick da história. E finalmente, nada parece corroborar com a narrativa escrita nos livros sobre essas feras que Maisie lê. Assim, ela percebe que pouco sabem sobre esses seres e começa a levantar questões, o que não é tão fácil assim para Jacob, o destemido caçador das bestas marinhas. Ele mal consegue admitir que Bravata Vermelha, que ganha o nome de Red por parte de Maisie, salvou suas vidas do ataque de outra fera. Mas quando Red se mostra inteligente o bastante para entender o pedido de socorro dos dois e até mesmo aceita ajudar, nem ele consegue ficar mais indiferente á conexão com Bravata Vermelha. A relação que criam com a Fera durante a jornada os faz entender que os seres do mar só atacam quando se sentem ameaçados, que é a mesma lógica dos humanos. A partir daí, tencionam a mentalidade da sociedade em que vivem, tendo que enfrentar, inclusive, aqueles que mais amam, acomodados às normas e não tão dispostos a mudanças.
Parece familiar, né? Sim, é muito similar ao filme de Banguela e Soluço. Até as Feras como Red parecem com dragões, a diferença é que nadam ao invés de voar. Bem, é um filme com uma estrutura análoga a de Como treinar o seu dragão, mas, digamos assim, não é um “plágio” malfeito. A trama é envolvente e torcemos bastante pelos personagens, que até possuem um brilho próprio. Porém, talvez pela forma com que o Fera do Mar foi distribuído — foi para o catálogo da Netflix sem ser exibido nos cinemas —, é muito provável que não fiquem marcados em nossa memória como o filme da DreamWorks, do qual derivaram várias sequências, uma série de TV e há rumores de que poderá ser feito um live-action.
E já que surgiu a comparação entre A Fera do Mar e Como Treinar o Seu Dragão, não dá pra deixar de falar dos belos gráficos que os dois filmes apresentam. Fico sempre hipnotizada pelos mares elaborados para os cenários dessas animações 3D. A modelagem e a movimentação fazem parecer que estamos vendo cenas reais, feitas por captação direta. É muito bonito de ver.
Talvez haja uma questão que Jacob, Maisie e Red provocaram que Soluço e Banguela não. Ao final, Maisie confronta os donos da narrativa que colocavam as feras do mar como vilões absolutos, ao qual tem como consequência a dor causada aos dois lados. Ela, uma menina negra que perdeu os pais nessa disputa, questiona a versão das autoridades e abre as portas para a reescrita a partir de outro ponto de vista. Ao cabo, é uma história que termina com um mundo mais pacífico e solidário, mais disposto a aceitar diferenças. Tudo isso causado pela jornada dos protagonistas que juntos se tornam uma família. Jacob, Maisie e Blue.
Já aqui, do lado de fora da tela, não é um filme tão revolucionário assim. Ouso dizer que é a “zebra” ao ocupar a vaga de indicados ao Oscar e é o filme da lista que menos tem chances de ganhar, apesar de ser uma obra que gostei bastante. Nem a Netflix deve estar torcendo para A Fera do Mar, dada a importância e o marketing que a plataforma dispôs para o Pinóquio de Guillermo del Toro, nitidamente seu preferido. A verdade é que este filme já ganhou só por ter sido indicado, e sua continuação já está confirmada – até o momento.