Recentemente, estava assistindo a uma obra do universo de Star Wars que apresenta a narrativa de um velho mestre Jedi amargurado, carregado pelo peso da culpa por seu Padawan ter cedido ao Lado Sombrio da Força e se tornado uma ameaça para a galáxia com o auxílio de um mestre Sith e seu exército. Até que, um dia, esse velho Jedi se veria obrigado a sair de seu exílio para enfrentar seu antigo aprendiz. Nesse caso em específico, eu estou falando da série Obi-Wan Kenobi, mas essa premissa se encaixa facilmente com a história que tentaram contar do velho Luke Skywalker e seu sobrinho Ben Solo (vulgo calorento o Sith do Piauí).
Mas, por que a narrativa que, anteriormente, deu certo para o velho Ben Kenobi, a ponto de ser replicada em uma série, foi tão polêmica quando tentaram recontá-la com o outro Ben e seu mestre Luke? É isso que eu vou abordar nesse artigo, o porquê dessa versão 2.0 da história do Obi-Wan não ter sido tão bem-sucedida.
Jornada do Jovem Luke e sua ligação com o Lado Sombrio
Quando Luke nos é apresentado em Uma Nova Esperança, ele é apenas um garoto ingênuo, birrento e ambicioso, exatamente como seu pai foi um dia (você vai ler essa afirmação várias vezes aqui), detalhe esse que é ressaltado no primeiro ato do filme em um diálogo entre os tios do jovem protagonista.
No entanto, a ambição de Luke não era salvar o universo, ou destruir o Império, ou mesmo resgatar seu planeta, que era praticamente ignorado pelo Império. A jornada desse personagem começa com uma motivação um tanto quanto egoísta.
Luke sempre teve vontade de sair de seu planeta natal, que, nas palavras do próprio personagem, “não passava de uma pedra”. Porém, seu tio nunca o deixou entrar na Academia de Pilotos por ele ser muito parecido com o pai e por medo do garoto seguir o mesmo destino. Acontece que tanto seu tio Owen quanto sua tia Beru seriam mortos pelo Império e Luke Skywalker finalmente poderia sair do planeta que tanto detestava, mas agora com outra motivação: a de vingar seus tios assassinados e seu pai, que ele achava que havia morrido para um tal de Darth Vader.
Assim, Luke sai de Tatooine, o planeta na orla exterior mais badalado de Star Wars, e começa seu treinamento com o velho Ben Kenobi para, futuramente, enfrentar e derrotar o malvado Darth Vader, vingar sua família e, quem sabe?, livrar a galáxia do grande mal.
É nessa dicotomia clássica de bem contra o mal que o personagem é inserido, personificando o “Bem”, sempre com as vestes brancas demonstrando pureza, contrastando com o “Mal”, personificado por Darth Vader e suas vestes negras. E, ao final de Uma Nova Esperança, temos o resultado esperado dessa fórmula, em que o bem vence o mal, no qual o jovem Skywalker derrota o vilão, mesmo que de forma indireta, ao destruir a (primeira de muitas) Estrela da Morte com o auxílio da Força e do incentivo do “fantasma” de Ben Kenobi.
Em O Império Contra-Ataca é que as coisas começam a ficar mais interessantes. Depois de uma batalha em Hoth, Luke recebe uma mensagem de Ben Kenobi orientando que ele vá ao planeta Dagobah para encontrar Yoda, um grande mestre Jedi que iria ajudá-lo a concluir seu treinamento.
Em Dagobah, Yoda pergunta a Luke a sua motivação para se tornar um Jedi e este responde que ela reside, em sua maioria, em seu pai. Acontece que Yoda, que já estava testando o rapaz, se recusa a treiná-lo, uma vez que o jovem Skywalker, além de outros fatores, tinha demonstrado ter muita raiva dentro de si, revelando ser muito impaciente e inconsequente, assim como seu pai.
Conversa vai, conversa vem, o velho Obi-Wan convence Yoda a treinar o rapaz, e é durante seu treinamento que Luke conhece uma caverna dominada pelo Lado Sombrio da Força. Ele não resiste e acaba entrando no lugar, mas, antes, ele pergunta a Yoda o que iria encontrar lá dentro e recebe uma resposta bem pragmática: “Apenas o que você levar consigo”. Skywalker, inclusive, é orientado que dentro da caverna não irá precisar de armas, mas ele as leva mesmo assim.
Dentro da caverna, Luke Skywalker encontra “Darth Vader” e os dois entram em um embate que acaba com o Vader sendo decapitado. Para a surpresa, e confusão, do aspirante a Jedi, é seu rosto que ele vê por detrás da máscara do vilão. Assim, Luke percebe que a caverna lhe proporcionou uma viagem para dentro de si, monstrando que seu maior inimigo é ele mesmo, correndo o risco de seguir o mesmo caminho do vilão que ele pretende derrotar se em algum momento ele ceder completamente ao Lado Sombrio, que é forte dentro de si, ressaltando a semelhança entre os dois personagens – Luke/Vader.
Skywalker continua seu treinamento até sentir que seus amigos estão em perigo, e mesmo contra a vontade e as orientações de seus mestres Yoda e Obi-Wan, Luke parte para a suposta missão suicida para salvar Han e Leia.
Ao chegar ao sistema Bespin, Luke tem seu segundo embate com Vader, só que, diferente do primeiro confronto travado dentro de naves, agora ele está frente a frente com o suposto assassino de seu pai.
É nesse terceiro ato icônico, não só pra saga Star Wars, mas para o cinema Blockbuster em si, que os fãs são impactados com uma grande quebra de expectativa. Se o filme seguisse o mote padrão das histórias de mocinho e vilão, aqui o herói iria sobrepujar o mal derrotando seu inimigo, salvaria seus amigos e o “bem” triunfaria sobre o “mal”.
Mas, como todos sabemos, essa não é a história contada nesse filme. Luke se encontra com Vader, descobre a verdade sobre seu pai e todo o histórico da sua família com o Lado Sombrio, perde a mão, Han – o amigo que ele se sacrifica pra salvar – não só é congelado em carbonita, como também é entregue aos Hutt, e o Império tem sua vingança.
No início de O Retorno de Jedi, Luke Skywalker aparece com um uniforme preto e utiliza a Força de um jeito bem questionável na perspectiva de um Jedi, uma vez que ele usa o movimento clássico de Darth Vader ao enforcar os guardas do Jabba com a Força, além de ameaçar matar o Hutt se ele não libertasse seus amigos.
Nesse primeiro ato, vemos um Luke arrogante e que utiliza a raiva e a intimidação a seu favor, bem diferente de seus predecessores. Ainda assim, mesmo sendo aconselhado por Obi-Wan a matar Vader, o agora não tão jovem Skywalker decide que irá salvar seu pai em vez de matá-lo. Luke demonstra, ao longo do filme, que mesmo escolhendo ser um Jedi, ele ainda era um rebelde e não precisava seguir todos os dogmas de seus mestres para fazer o bem, seguindo por um caminho mais neutro, longe da dicotomia do “Bem” perfeito sem defeitos e do “Mal” vil e totalmente nefasto.
Nesse terceiro embate, Luke tenta convencer Vader que ainda há bondade dentro dele, porém, após Darth Vader ameaçar Leia, o não tão jovem Skywalker se rende à raiva, derrotando seu pai e cortando uma de suas mãos. Ao ver essa cena, o Imperador decide tentar converter Luke o induzindo a matar seu “antagonista” e tomar o lugar dele ao seu lado. Entretanto, o protagonista recusa a proposta afirmando ser um Jedi, assim como seu pai foi antes dele.
Um detalhe importante nessa cena é que Luke está com um uniforme completamente preto, e ao sofrer o ataque do Imperador, seu colete abre um pouco, mostrando o forro branco de sua roupa.
E aqui vem uma interpretação dessa cena. Luke ainda utiliza o preto nesse filme para demonstrar que sabe que o Lado Sombrio faz parte dele, abraçando essa herança indigesta; mas, por baixo desse Lado Sombrio que o cerca, ele ainda segue o Lado Luminoso da Força, aspirando o tão aguardado equilíbrio e indicando que essa nova geração de Jedi seguiria um caminho mais neutro e menos extremista.
Vendo que seu filho está prestes a morrer, Vader, que foi tocado pela sua compaixão, sucumbe à tentação do Lado da Luz, se voltando contra o Imperador e salvando Luke. O personagem, que até então era antagonista, se torna um aliado e consegue derrotar Palpatine, mas acaba morrendo no processo.
Assim se fecha o ciclo iniciado em Uma Nova Esperança. Darth Vader tinha se entregado ao Lado Sombrio da Força por acreditar não ter mais volta, porém, mesmo com todo o processo de dor e ódio, ele não conseguiu destruir de vez seu lado Anakin Skywalker, lado este que precisava de uma esperança para retornar ao Lado da Luz. Esta esperança que nos é apresentada no Episódio IV é justamente Luke, que, com suas empatia, compaixão e esperança não desiste de seu pai e o guia de volta ao Lado Luminoso da Força, iniciando assim o movimento de destruição do Império Galáctico.
Com isso, Luke comprova que o bem e o mal não são coisas simples como preto e branco, expondo que, assim como temos maldade no que é considerado o lado “bom”, também podemos extrair bondade do lado considerado como o “mal”, propiciando uma deixa extremamente rica para um possível futuro de Star Wars.
Uma ideia reciclada, uma execução fraca e uma motivação ruim
Em Os Últimos Jedi temos o retorno de Luke Skywalker à saga cinematográfica de Star Wars, e este Luke é completamente diferente do Luke que foi descrito até agora, o que não seria um problema se a construção tivesse sido feita de forma condizente com a jornada do personagem demonstrada na trilogia clássica.
Na busca de algo que fosse tão impactante quanto o famoso “Não, EU sou seu pai”, o diretor e roteirista Rian Johnson opta por tentar, a todo momento, atingir a chamada “quebra de expectativa”, mesmo que para isso ele tenha que ser completamente incoerente com a narrativa apresentada previamente.
Ao final de O Despertar da Força, somos deixados com um cliffhanger, no qual Rey finalmente encontra Luke e lhe entrega o sabre de luz que teria sido de Anakin Skywalker. Ocorre que Rian Johnson nos dá um “Cliff Throw” (piadinha infame com o fato do Luke ter jogado o sabre de luz do penhasco) logo no início do Episódio VIII, descartando todas as tramas introduzidas no Episódio VII em prol da busca da tal quebra de expectativa.
E, não me entenda mal, eu gosto bastante quando um filme consegue entregar uma boa quebra de expectativa, como a que acontece no Episódio V e tantos outros filmes fora do espectro de Star Wars, mas essa subversão tem que ser condizente com a história e a construção dos personagens apresentados.
Então somos reapresentados ao personagem, que está completamente transtornado e vive em exílio, se alimentando de Porgs e leite extraído direto da fonte. Nos é levado a crer que algo grave aconteceu a ponto de quebrar Luke, a esperança da galáxia. O cara que seguiu um caminho menos extremista, que se entregou como sacrifício para salvar um genocida, tinha agora quebrado de vez. Algo catastrófico o atormenta de forma tão violenta que ele deixou a própria família morrendo na guerra, se isolou em um planeta remoto e cortou sua relação com a Força.
Tem que ser algo muito devastador, né?! O cara que não desistiu mesmo depois de saber que seu pai era o mal em forma de carne e de membros robóticos, que arriscou a própria vida para salvá-lo pois acreditava que ainda existia o bem nele, esse cara não iria desistir por qualquer coisa, não é mesmo?!
Pois bem, acontece que seu sobrinho demonstrou uma inclinação para o Lado Sombrio e Luke achou por bem que a melhor resolução era matar o garoto. Pois é, o cara que se recusou a matar seu pai genocida exterminador de criancinhas achou viável assassinar o sobrinho simplesmente porque ele teve um gostinho do Lado Sombrio. O mesmo Luke que entrou na caverna de Dagobah e entendeu que o Lado Sombrio é forte em sua família. O mesmo Luke que também experimentou um gostinho do Lado Sombrio. Esse Luke pensou em “cortar o mal pela raiz”. O mesmo Luke que se recusou a seguir as orientações de Yoda e Obi-Wan para matar seu pai, que não era flor que se cheirasse, achou de bom tom matar um jovem rapaz que ousou mijar fora do vaso uma vez.
Ben Kenobi decide se tornar Kylo Ren e terminar a missão de seu avô de exterminar todos os Jedi, se tornar um mestre da Força no Lado Sombrio e dominar a galáxia. Claramente alguém faltou às aulas de história e “aprendeu” essa versão dos “fatos” com documentários no StarTube.
Então, o novo antagonista (versado na arte da Fake News) parte para “repetir os passos” de seu querido avô, matando os padawans que estavam sob a tutela de Luke, acabando com a esperança que Luke tinha e o jogando no exílio, mas não sem antes o mestre Skywalker deixar um mapa com instruções sobre sua localização, para que assim pudessem encontrá-lo. Seria isso um furo no roteiro? Nah, acho que é impressão. Mas… se ele não queria ser encontrado, por que cargas d’agua ele iria deixar um mapa com instruções para achá-lo?
Mas, como Kylo teria habilidade para matar todos os alunos de Luke? A escola era montessoriana e se focava em poucos alunos para assim respeitar a autonomia e o limite do desenvolvimento natural das habilidades físicas, sociais e psicológicas de cada aluno? Não. Acontece que o jovem Ben estava sendo treinado e manipulado por Snoke para seguir para o Lado Sombrio sem o conhecimento do mestre Jedi. Onde já ouvi essa história antes? Deve ter sido em Naruto.
Além de treinar o jovem Solo, Snoke aliciou outros acólitos, criando os Cavaleiros de Ren, que auxiliam Kylo a destruir o templo Jedi e seus membros. Não sabe quem são os Cavaleiros de Ren? Relaxa, eles têm zero relevância para o desenrolar da história, sendo totalmente descartados pelo diretor.
Sabe quem mais é completamente descartável nesse filme? Snoke. Mas o Episódio VIII é tão incoerente que merece todo um Opinanerd especial para ele, então vou me focar no propósito deste artigo, o Luke Skywalker.
Já no planeta Ahch-To, Luke se recusa a treinar Rey, que decide que é autodidata e vai aprender tudo sozinha (esse plot só melhora /ironia). Só então que Luke começa a ter um vislumbre de esperança e resolve ensinar um truque ou outro pra garota. Eis que Rey encontra um buraco (há! E você achando que ia ser uma caverna, né? Subversão total de expectativa), onde é “dominada” pelo Lado Sombrio.
É nesse momento que, assim como Yoda, Luke orienta Rey sobre o Lado Sombrio e permite que a padawan (se é que podemos chamá-la dessa forma) enfrente seu lado obscuro com palavras crípticas em forma de conselho? Não! Outra subversão da expectativa na sua cara, pois Luke na verdade tem um ataque de pânico e se assusta com o fato de a garota não fugir do Lado Sombrio. O mesmo Jedi que enforcou guardas usando a Força estava em pânico por sua aprendiz ser forte no Lado Sombrio da Força. O mesmo Jedi que viu bondade em Darth Vader ficou aterrorizado com a curiosidade de Rey com o Lado Sombrio, alguém que estava sendo treinada bem mais velha que a idade entendida como correta pelos Jedi “clássicos” – ou seja, uma pessoa que já sabe distinguir o certo e o errado.
Um Luke Skywalker amargurado é interessante? Sim. É uma ideia extremamente repetitiva, mas, mesmo assim, interessante, e a ideia de que os Jedi estão fadados a esse loop de fracasso é intrigante, uma vez que os Jedi são descritos como seres infalíveis e quase impossíveis de derrotar. Porém, a execução é muito ruim, principalmente porque Luke já deveria ter seu arco completo, seguindo para algo novo e mais equilibrado que essa dicotomia clássica. A frase do Yoda, “Melhor professor, o fracasso é”, é belíssima, porém Luke já tinha aprendido essa lição, pois conhece bem o fracasso e se utilizou desse ensinamento para salvar seu pai.
Não foi Luke quem salvou a galáxia de Palpatine, foi Anakin Skywalker. Luke tinha falhado feio em O Império Contra-Ataca, havia se deixado levar pela arrogância, pela raiva e pelo medo, tanto que em seu segundo embate frente a frente com o pai em O Retorno de Jedi, ele está a todo momento tentando acalmar sua mente e agir de forma comedida. Ele já tinha aprendido com o erro, e, mesmo assim, sucumbe por alguns instantes à raiva, voltando a si quando percebe que já tinha derrotado Vader, demonstrando que a todo momento ele vive esse limiar entre o Lado Sombrio e o Lado da Luz, se equilibrando entre falhas e aprendizados. Mesmo com tudo isso, ele nunca cogitou matar o pai, pra depois de velho, por muito menos, considerar matar o sobrinho.
A ideia de um Luke Skywalker que sucumbe ao Lado Negro e faz besteira não é nova. Ele se irritar em algum momento com o sobrinho seria muito interessante (e natural), entretanto, mesmo o jovem Skywalker precisava de um gatilho emocional forte para se render à raiva, e o velho Skywalker ter tido a intenção de matar o sobrinho enquanto este dormia é algo forçado e mal desenvolvido. Demonstra uma incoerência com todo o arco do personagem, que seguiu para um lado mais neutro da Força, muito parecido com o da Ahsoka Tano, que sabe que os Jedi também tinham falhas em suas burocracias e seus dogmas.
O fato de Luke ter pavor ou repulsa da ideia de um usuário da Força ter inclinação para o Lado Sombrio é extremamente sem sentido, já que toda a história apresentada nos filmes anteriores mostra um Luke que tenta provar que há bondade no Lado Sombrio, que o equilíbrio é o melhor caminho a ser seguido. Uma prova disso é que ele treinou a Leia, mesmo ela tendo uma relação amorosa com Han, apontando que a nova ordem Jedi não seguiria os mesmos preceitos da antiga ordem.
Esta decisão criativa foi tão mal executada que acabou estragando não só o Episódio VIII como acabou refletindo no Episódio IX, uma vez que a Disney tentou fazer um RetCon de um filme para o outro, transformando a nova trilogia em uma bagunça completa.
Enfim, qual a sua opinião sobre o assunto? Concorda? Discorda? Comenta aí qual a sua interpretação dessa “involução” narrativa. Opiniões contrárias são sempre bem-vindas, desde que feitas com respeito.