H. P. Lovecraft é um dos nomes mais famosos do terror. O escritor do início do século XX criou toda uma mitologia envolvendo deuses antigos alienígenas em contos de terror cósmico e existenciais. Por causa do teor inominável que muitas das suas criaturas possuem, podendo levar uma pessoa à loucura simplesmente por olhar para elas, suas histórias são muito difíceis de serem levadas para o cinema. Mas, no final de 2019, a Spectrevision continua sua parceria com Nicolas Cage (Mandy) e lança A Cor que Caiu do Espaço, baseado num conto de mesmo nome de Lovecraft.
A Cor que Caiu do Espaço (Color Out of Space, no original) conta a história de uma família que vive pacatamente em uma fazenda. Eles acabam tendo sua vida mudada quando um meteorito cai no seu quintal e passa a mudar a fauna, flora e a mente de tudo que está em sua volta.
Terror Inominável
Em questão de conceito, o filme é uma boa adaptação do conto original. Existe um desenvolvimento melhor dos personagens e atualização da história para dias atuais. Mas, apesar disso, as principais ideias do conto estão ali. Cada personagem aqui tem um miniarco que nem sempre funciona mas faz você até que se importar um pouco com eles. Um ponto recorrente das histórias de Lovecraft é o narrador que conta algo que aconteceu com ele ou terceiros no passado. Esse elemento, a favor da narrativa, é praticamente ignorado e acaba dando certo.
O clima da história é de um terror bem oitentista e gore. O diretor Richard Stanley (A Ilha do Dr. Moreau) abusa da violência e bizarrice, principalmente perto do final da história. Além disso, existe um terror psicológico que se assemelha bastante a filmes como O Iluminado (Stanley Kubrick), sendo esse um dos pontos fortes do longa. Existe um medo tanto do desconhecido como de elementos comuns na vida daquelas pessoas, criando uma sensação de claustrofobia e tensão durante toda a película.
O ritmo da trama se desenvolve bem com uma escalada de loucura, violência e bizarrices ficando cada vez mais fortes à medida que o filme se aproxima do clímax. Existem alguns efeitos práticos com criaturas e cenas quem lembram O Enigma de Outro Mundo (John Carpenter), mas o principal ponto fraco é o exagero na pirotecnia em alguns momentos.
Um dos elementos mais interessantes da literatura de Lovecraft é o medo do desconhecido, daquilo que não podemos ver ou conceber. Em diversos momentos, o filme consegue trabalhar bem esse tipo de horror, mas em outros existe um exagero muito grande nos efeitos visuais, tentando dar uma cara para a “cor”, o principal vilão do filme.
Nicolas Cage sendo Nicolas Cage
Outro ponto esquisito do filme é o nosso já conhecido Nicolas Cage. Não é só pelo fato de que o ator já virou piada na internet e que é difícil levarmos ele a sério. Mas parece que os produtores sabem dessa zoeira e querem aproveitar ela fazendo com que Cage exagere nos seus já conhecidos overacting e situações engraçadas. Eu não tenho problema com filmes de terror que misturam com comédia. Mas o estranho aqui é que todos os personagens e situações parecem sérias demais e somente o personagem de Nicolas Cage puxa para a comédia. É como se ele não fizesse parte do filme.
Uma decisão interessante foi usar a “cor” como elemento narrativo do filme através da fotografia. O uso de cores psicodélicas para representar o efeito maligno do meteorito que caiu na fazendo é legal e gera umas cenas bem bonitas esteticamente falando. Mas, em certo momento, um dos personagens fala que viu uma “cor que nunca tinha visto antes”, sendo que minutos antes essa cor foi mostrada e é só mais uma cor rosa com tons de vermelho. Como eu disse, esse terror que se baseia em coisas inconcebíveis ou inomináveis é o principal ponto da obra de Lovecraft, e por isso que suas histórias são tão difíceis de adaptar. Por falar na literatura do autor, existem no filme alguns easter eggs e referências à sua mitologia que são divertidos de encontrar, sendo um gostinho a mais para os fãs.
A Cor que Caiu do Espaço é uma boa adaptação de um dos mestres do terror e uma boa atualização da história para os tempos atuais. As mudanças na trama e desenvolvimento dos personagens são escolhas válidas, mesmo que alguns destes sejam mal desenvolvidos. Na minha opinião, esse é o conto mais “cinematográfico” de Lovecraft e fiquei feliz em ver uma adaptação que foi fiel ao material original entregando um bom produto. Infelizmente existem alguns deslizes e falta de sutileza em momentos-chave, principalmente mais para o final do longa. De toda forma, esse provavelmente é o melhor filme adaptado diretamente de uma obra do autor e fico feliz que ele vai fazer parte de uma trilogia. O próximo a ser adaptado é O Horror em Dunwich, o que me deixa bastante empolgado.