A Baleia A Baleia

A Baleia

Sempre fui um grande fã do cinema de Darren Aronofsky. O diretor é fã de trazer experiências desconfortáveis com seus filmes e isso não é diferente com A Baleia. O longa, porém, vem dividindo opiniões de público e crítica por causa dos seus temas sensíveis e da forma como são tratados.

A Baleia traz Charlie (Brendan Fraser), um professor universitário com um severo grau de obesidade e problemas com seu passado. Por sua condição de saúde, o personagem acredita que tem poucos dias de vida, então ele usa esse tempo para tentar se reconciliar com sua filha adolescente, Ellie (Sadie Sink).

Aronofsky é conhecido por sempre apresentar seus protagonistas como pessoas obcecadas por algo. Em todos os seus filmes, os seus personagens estão em uma busca obstinada por alguma coisa, e isso vai acabar consumindo-os. Em A Baleia temos um protagonista que passou por um grande trauma e isso fez com que a comida se tornasse sua obsessão, como uma forma de se sentir melhor sobre seus sentimentos de culpa e tristeza. Diferente dos outros filmes, encontramos Charlie já em um estado de “fundo do poço” por ter negligenciado sua saúde física por questões de saúde mental.

 

Nesse ponto de tratar a obesidade é justamente onde o filme está recebendo mais críticas. É importante ressaltar que, como uma pessoa um pouco acima do peso, não acredito que eu tenha local de fala no assunto. Vivemos em uma época evoluída o suficiente para entender que é um clichê tratar, por exemplo, personagens LGBT+ como coitados e sofredores nas histórias. Mas existem algumas outras minorias que ainda não possuem uma representatividade mais forte no cinema, e por isso as discussões nessa área ainda não são muito evoluídas. Se pegarmos clichês de personagens gordos no cinema, geralmente eles são usados como alívios cômicos ou como malignos (uma jogada semiótica de tratar o excesso de peso como um símbolo para avareza ou burguesia). Existe também o costume de tratar esses personagens como coitados, ou como se a vida deles girasse em torno da sua condição física. Acredito que A Baleia ainda pode causar gatilhos e tratar de forma pouco empática esse problema. Mas, na minha opinião, a questão do peso de Charlie é mais um dos dramas do filme, e não o único.

O problema do peso de Charlie é uma consequência de situações que aconteceram na sua vida, mostrando que um distúrbio como esse pode acontecer por diversos motivos. Existe outro caso no filme de alguém que também passou por um trauma e parou de comer, justamente para mostrar os diversos prismas da questão. Nosso protagonista não é uma pessoa ruim ou má, ele tanto cometeu erros como também se arrepende de muita coisa e quer fazer o certo, ou seja, é um personagem complexo. Também não acho que o seu peso no filme é um fator superlimitante em sua vida, pois ele ainda consegue trabalhar, sendo aparentemente muito bom no que faz e bastante focado, podendo ser configurado até como outra obsessão na sua vida. Existe sim uma cena específica em que o personagem tem uma crise, comendo de forma exagerada e passando mal. Mais uma vez, essa cena pode ser um gatilho muito forte, mas ela não é diferente de outras montagens conhecidas do diretor, como os personagens de Réquiem para um Sonho sucumbindo a seus vícios, ou a bailarina de Cisne Negro buscando a perfeição ao ponto de se machucar.

Tenho sim algumas críticas ao longa e elas vêm principalmente do melodrama excessivo em algumas situações. A Baleia é um filme claustrofóbico, que se passa em somente um cenário, filmado para sentir a prisão da vida de Charlie. Por causa disso é um longa que se baseia nas atuações e relações entre os personagens. Apesar das atuações geralmente fantásticas (principalmente de Fraser, que deve levar o Oscar de Melhor Ator), o seu roteiro pode ficar um pouco repetitivo demais, com personagens saindo e entrando de cena para interagir na próxima cena triste com nosso protagonista. Ele também não é um filme sutil nos seus diálogos ou nas suas metáforas. A questão religiosa, também comum nos filmes do diretor, é tratada de forma muito rasa e maniqueísta, sem muita abertura ao diálogo. Apesar disso, eu gostei da metáfora que o filme faz com Moby Dyck, uma metalinguagem que funciona para ele e para o seu diretor. Além disso, o famoso capitão Ahab é também um personagem obcecado com algo, podendo ser facilmente mais um protagonista de filme do diretor.

A Baleia é mais um filme polêmico de Darren Aronofsky. Traz atuações incríveis em um roteiro simples, mas não simplório. Eu entendo que a situação da obesidade pode causar gatilhos em muitas pessoas e isso deve ser respeitado, mas não acredito que a situação de saúde de Charlie é o ponto dramático principal do longa. Compreendo que as situações da vida o fizeram ser daquele jeito, e por causa da sua condição física, agora ele está tentando resolver suas questões pessoais e familiares, como um ciclo que se fecha no fim da sua vida. Eu entendo que o filme trata de diversos temas, uns melhores do que outros. Ele poderia, por exemplo, tratar do absurdo de alguém que quer morrer porque não quer gastar dinheiro com tratamento, algo impossível de se acontecer no Brasil por termos o SUS. Por fim, não é agradável de se assistir, mas a arte tem dessas. Ele é uma peça de arte que sabe muito bem o que quer passar e vai utilizar suas técnicas narrativas para que o seu expectador se sinta como o protagonista e possa refletir na sua própria vida.