Assistindo 3% e tentando entender o que achei da série (dentro do mar de defeitos e alguns agradáveis acertos) um fato ocorrido ainda nesse ano de 2016, mais precisamente nos jogos olímpicos do Rio de Janeiro, veio à memória.
Antes de mais nada e para quem não sabe, 3% é a primeira série inteiramente nacional produzida pela queridinha Netflix (leia a crítica pelo sempre excelente Charles Luis). O projeto surgiu do autor Pedro Aguilera para um edital do Ministério da Cultura, que visava atingir os jovens da faixa C, D e E. 3% não foi um dos três selecionados, mas ganhou um piloto lançado em 2010 por ter passado da primeira fase, até a chegada da rede de streaming com toda sua benevolência.
Alguns não se lembram, mas durante a primeira fase do futebol nas olimpíadas, as mulheres estavam dando show. Já os estrelados garotos comandados por Neymar decepcionavam com entediantes e consecutivos empates. Foi nesse período que nasceu um dos virais que mais movimentaram a internet nos jogos de 2016: o garotinho da camisa rasurada! O guri pegou sua camisa da seleção brasileira, passou um traço em cima do nome de Neymar, e escreveu “Marta” com muito orgulho, passando a ser amado por grande parte das pessoas ao ressaltar a dedicação da maior jogadora brasileira frente ao marasmo masculino.
Mas acontece que na sequência das competições o jogo virou, onde as mulheres ficaram sem medalha alguma e os homens conquistaram o inédito ouro em cima da Alemanha (aquele país do 7×1). E o menino virou piada.
O que isso tem haver com 3%?
A relação entre um caso e outro está muito mais relacionada do que se imagina. Na época de seu engavetamento, diversos representantes do mundo nerd compraram a briga para querer ver essa série (de temática já batida mesmo em 2011), podendo citar como exemplo Jovem Nerd e até o senhor Victor Morais, líder do CosmoNerd. Sim, eles são o menino com a camisa rasurada nessa analogia.
Tal qual a seleção feminina, 3% não decepcionou tanto assim. Vale ressaltar o baixíssimo orçamento em relação às séries estadunidenses ou mesmo britânicas, e do mesmo modo não há como compararmos o dinheiro investido entre o futebol masculino e feminino pela CBF. Se levarmos essa questão financeira em conta, 3% não possui tantos defeitos assim fora do âmbito textual.
O mais importante mesmo é a continuidade. Enquanto uma grande onda de haters já surgiu em cima da série brasileira, a Netflix já anunciou a segunda temporada. Algo elogiável, tendo em vista o recente fracasso de Supermax (aposta da Rede Globo nesse mercado), já certo de que não voltará para um segundo ano. Nessa analogia, a CBF está muito mais para Rede Globo do que para Netflix, visto o escasso dispêndio de recursos destinados às mulheres do futebol brasileiro.
Tá chato dizer isso, mas passou da hora desse complexo de vira lata ser deixado de lado. É muito difícil acreditar que uma série nacional de caráter messiânico irá surgir, disputando em qualidade com The Walking Dead, Westworld ou Stranger Things (Game of Thrones é muita apelação pra colocarmos nesse balaio). Precisamos de iniciativas como as da Netflix, que mesmo frente às críticas negativas deu seu voto de confiança em 3%. A Rede Globo já desistiu.
Até porque, assim como o feito da seleção masculina não foi grande coisa (ganhou de uma Alemanha Sub-23 que desdenhou da competição), as grandes séries estrangeiras também possuem seus defeitos. É uma questão cultural, onde o fomento em nossos criadores precisa ser contínuo, estimulando sua ousadia e capricho com o que produzem.
Coincidentemente ou não, foi num estádio de futebol que se passou grande parte das gravações de 3%. O local? A arena do Corinthians em Itaquera, bairro conhecidamente pobre de São Paulo. Foi lá, naquela anomalia acabada em mármore que os candidatos passaram pelo Processo e tentaram um lugar onde poucos conseguem chegar.