Todo ano, no dia 23 de abril, é comemorado o Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor, data escolhida por, coincidentemente, ter sido o dia em que Cervantes, Shakespeare e Josep Pla falereceram. Tecnicamente, por assim dizer, pois aparentemente, na época do autor inglês, o calendário utilizado era outro e ele pode ou não ter morrido dez dias depois de Miguel de Cervantes. Além deles, essa data também representa nascimento ou morte de outros autores, como Nabokov, Maurice Druon… Mas a data “nasceu”, inicialmente, por conta do autor das aventuras de Don Quixote e era comemorada no dia de seu nascimento, não de morte. Somente em 1995, a Unesco decidiu que seria dia 23 de abril – número que, como podemos ver, é quase cabalístico em questão de autores (assim como 27 é para cantores e cantoras). A ideia da Unesco é que possamos refletir sobre a leitura, a propriedade intelectual, a indústria dos livros etc etc.
“A Conferência Geral, por considerar que o livro vem sendo, historicamente, o elemento mais poderoso de difusão do conhecimento e o meio mais eficaz para sua conservação, […] que toda iniciativa que promova sua divulgação redundará oportunamente não só no enriquecimento cultural de quantos tenham acesso a ele, mas no máximo desenvolvimento das sensibilidades coletivas em relação aos acervos culturais mundiais e à inspiração de comportamentos de entendimento, tolerância e diálogo.”
Sobre a importância do livro e da leitura
Sabemos que a leitura é a porta de entrada para drogas mais fortes, como o pensamento crítico, a lógica, o conhecimento de si e do mundo, aprender sobre culturas diferentes da sua, gerar empatia e, principalmente, não escrever na base do achismo. Apesar do conhecimento empírico ser importante, é na base do estudo, da leitura, da pesquisa, que se forma muito do que se sabe. A necessidade de pensar além da sua bolha é tão significativo quanto entender a própria realidade.
“Dentro desse contexto, “saber ler” e “formar um leitor” demandam diferenças a serem consideradas. Para a primeira, trata-se de decifrar a mensagem simbólica, expressada por meio das sílabas que formam as palavras, enquanto que, na segunda, o sujeito leitor é induzido a aprender a compreender, interpretar e inserir-se no universo do pensamento de outra pessoa – o autor – compartilhando pensamentos, ideias e hipóteses, aceitando, ou contrapondo-se ao que analisa.” (KRUG, Flavia Susana. A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA FORMAÇÃO DO LEITOR)
No Egito Antigo, havia o papiro; em IX a.C, o acervo era transcrito em blocos de argila cozida e era ainda na escrita cuneiforme; por volta do século X a.C, temos o pergaminho; durante boa parte do período medieval, a literatura ficou restrita aos mosteiros (que transcreviam os textos sagrados e os pagãos); em 1454, tivemos a invenção da prensa, o que “facilitou” o acesso aos livros – até então, extremamente restritos à população. Claro que os livros ainda eram reservados aos únicos que tinham acesso à educação: a elite. Somente com a ascensão da burguesia que a leitura começou a se tornar um pouco mais acessível, mas demorou muito tempo para termos a facilidade de acesso que temos hoje (pode jogar aí para o século XIX).
No Brasil, o mercado editorial ainda sofre e, com ele, nós, leitores. Os livros, aqui, ainda são considerados como sendo exclusivos da elite, principalmente por causa dos valores altos cobrados, mesmo que, até então, esses itens não sofram taxação de impostos (algo que estão querendo fazer). Em matérias publicadas, é exposto que as nossas editoras são as que mais capricham em relação ao material utilizado nos livros e, para compensar essa finesse, os preços sobem. Não se enganem, não é barato fazer um livro, porém, muitas livrarias – cujos nomes não vou citar -, tentam lucrar o triplo em cima deles. O que aumenta a pirataria e a procura de livros em sebos, ou trocas. E isso, meus caros colegas, acaba quebrando tanto as próprias livrarias, quanto as editoras.
E isso é um problema geral. Tanto para a população, que necessita desse conhecimento, desse saber, dos livros, como para quem vende e produz. E, no Brasil, a questão editorial ainda vai mais longe: é quase impossível viver exclusivamente como autor(a) por aqui. Mas esse não é o ponto. Vamos ao que interessa: livros.
O que você, como leitor(a), pode fazer para ajudar?
Existem diversos autores nacionais que tão na luta para fazer acontecer. Antes de tudo, pesquise sobre o conteúdo que você quer, busque os melhores autores, sempre pela melhor qualidade possível DO TEXTO. Evitar baixar livros em PDF ajuda muito o mercado, mas ninguém vai te crucificar – a menos que seja de autores nacionais que estejam LUTANDO para conseguir se manter no mercado. Acredite, é difícil. E não é barato.
Aqui, seguem vários autores e autoras maravilhosas, tais como Vitor Martins, Larissa Siriani, Clara Madrigano, Zé Henrique, Camila Cerdeira, Maria de Freitas, Mari C. Muller, Kami Girão, Alec Silva, Ana Carolina Marquês, Iris Figueiredo, Luiza de Souza (Ilustralu), Olívia Pilar, Clara Alves, Natalia C. F. , Dayane Borges , Arthur Araújo , Thais Lopes , Aureliano etc etc. Eu poderia continuar por horas escrevendo nome dos milhares de autores conhecidos e até os que você nunca ouviu falar aqui e que são incríveis. Todes brasileires, e de diversos cantos do Brasil.
Poxa, temos a NOSSA literatura clássica, com Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Lima Barreto, Clarice Linspector, Aluísio de Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Ariano Suassuna, João Guimarães Rosa, Álvares de Azevedo, Cecília Meireles…
Esses autores e essas autoras, inclusive, são sempre lançados e relançados. Nada de errado nisso, mas poucas editoras se mostram propensas a não só lançar livros nacionais de novos autores, como as editoras independentes cobram um valor para que você participe de alguma antologia e não te dá direito sobre a sua obra!
Então, o que fazer?! Apoie os autores e as autoras independentes. Comprem seus e-books na Amazon, apoiem seus projetos no Catarse, façam propaganda para seus amigos e suas amigas, presenteiem as pessoas com esses livros. Leiam! Doem livros que você não quer mais para bibliotecas ou instituições. Não deixem que a leitura seja exclusivamente internacional e elitista. Espalhem a palavra.
Nesse Dia Internacional do Livro e do Direito do Autor, pense nisso. Melhore o seu país. O início é, e sempre será, por meio da educação. O Brasil está recheado de analfabetos funcionais que não entendem o que lêem, presos na ignorância e nas facilidades da era da informação, que mastiga tudo para a população. É mais fácil ler a opinião de alguém da internet do que ler o texto propriamente dito, ou assim muitas pessoas dizem.
Não seja uma delas. Lute contra o sistema. Leia. Como diria Lajolo, um pesquisador:
“A leitura é, fundamentalmente, processo político.”
Outro pesquisador, pode até complementar:
“Ao realizar a compreensão e interpretação da narrativa, observados os propósitos do autor, o sujeito adentrará, letra por letra, mergulhando no enredo lido, permitindo-se avançar, esclarecer e validar suposições. Acredita-se então, que esse mesmo leitor, seja capaz de processar, criticar, contradizer e avaliar as informações que estão diante dele, aprumando o significado obtido” (SOLÉ, 2003).
E aí, nesse ato político, de que lado você está?