Netflix acerta mão mais uma vez com 13 Reasons Why
Não é de hoje que o tema bullying está em pauta na sociedade. Usado para classificar os abusos que ocorrem em contexto escolar, o termo foi cunhado muito depois do início de tais práticas, o que não significa que estejamos perto de entender e resolver o problema. 13 Reasons Why, nova série original da Netflix, traz com uma narrativa sistemática diversos desmembramentos que o bullying tem na vida de um jovem, seja ele vítima, agressor ou as duas coisas.
A história adapta o livro homônimo de Jay Asher (Os Treze Porquês no Brasil) onde acompanhamos Clay Jensen (Dylan Minnette), um estudante do ensino médio da Califórnia que volta para casa e encontra um pacote enviado anonimamente em sua porta. Após a abertura, ele descobre que é uma caixa contendo sete fitas cassete gravada pela falecida Hannah Baker (Katherine Langford), sua colega que recentemente cometeu suicídio. As fitas foram enviadas para um colega com instruções para passá-las de um estudante para outro, como uma carta em cadeia. Nas fitas, Hannah explica a treze pessoas como eles desempenharam um papel na sua morte, apresentando treze razões que explicam porque ela se matou.
Ao longo dos treze episódios de 13 Reasons Why somos pautados com detalhes sobre cada um dos envolvidos através da própria Hannah. Esse artifício de ter um morto contando o que aconteceu consigo vem de muito tempo atrás, com Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas (ser obrigado a ler o autor aqui no Brasil em período escolar pode trazer benefício às vezes). Nesse sentido também podemos comparar com a narração de Kevin Space no vencedor do Oscar Beleza Americana.
O filme de 1999 dirigido por Sam Mendes também trouxe temas parecidos como o supracitado bullying e a falta de atenção dos pais em relação aos problemas dos filhos. Mas aqui a questão é levada para outros lados e com apelo voltado ao público jovem. Um grande acerto fica evidente logo de cara: apesar dos esteriótipos, os personagens são bastante cativantes. Hannah faz com que às vezes desejemos algum plot twist impossível para que de alguma sua personagem volte dos mortos, e Clay representa bem o cara legal desligado que não se identifica com o núcleo esportivo do colégio.
Tecnicamente, a série cumpre seu papel de modo satisfatório. Em momento algum ficamos confusos em relação ao tempo que se passa determinada cena por conta de técnicas simples mas essenciais como a paleta de cores (no passado é tudo mais vivo, enquanto o presente é mais cinza e escuro), os machucados no rosto de Clay e até a maquiagem dos personagens, mais cansados e acabados no presente. Destaque também para a montagem das cenas, que transita entre esses dois tempos de forma muita dinâmica.
Um ponto que a série deixa de contar, apesar de extensa com seus treze episódios, é a respeito de algumas consequências na história. Sabemos que personagens como Bryce irão responder finalmente por seus atos, mas faltou a transposição disso na tela juntamente com o desfecho do viés jurídico que a série criou mas não concluiu. No mais, há espaço para muita coisa como arrependimento, empatia (ou falta dela), estupro, visão rasa sobre abuso escolar etc. O principal ponto, no entanto, é conseguir expor sua proposta de modo questionador, onde qualquer um pode acabar praticando os abusos abordados. Esses aspectos se sobressaem, por mais que algumas motivações no roteiro possam ser questionáveis, e outras justificativas difíceis de digerir.
Outro ponto forte aqui é o da nostalgia. Além da trilha sonora cuidadosamente selecionada com bandas como Joy Division, as fitas cassete dão um charme a mais a todo esse balaio de dor e sofrimento. 13 Reasons Why não é uma série fácil de ser vista até o fim por motivos óbvios, mas esse tipo de coisa marca ainda mais a experiência.
Dessa forma, 13 Reasons Why é mais uma peça importante no catálogo Netflix, principalmente quando tratamos de inclusão e diversidade. Nesse panteão podemos incluir também peças como A 13ª Emenda (documentário que relaciona a escravidão com o sistema prisional estadunidense), Black Mirror (tecnologia aplicada ao comportamento humano), Jessica Jones (abuso contra mulheres) e tantos outros.
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