O texto a seguir pode conter SPOILERS de 007 Contra Spectre.
Por mais que amemos nossos empregos, estudos ou hobbys, uma hora a carga de paciência chega ao fim. Você sente vontade de jogar tudo pro alto ou queimar a coisa toda de vez. Tudo que mais importa é parar para respirar, enxergar o mundo ao redor. No decorrer de quatro filmes, Daniel Craig e sua versão de James Bond ficaram mentalmente e fisicamente esgotados. Essa vida de caçar e ser caçado não era mais atrativa para o 007. Mas antes de sair dirigindo seu carrão ao lado de uma bela mulher, ele tinha um última missão a cumprir.
007 Contra Spectre coloca James Bond na reta final de uma corrida que ele nem sabia que estava disputando. Diante de seu maior inimigo de todos os tempos, o agente teve que enfrentar seu traumático passado para colocar seu futuro de volta aos eixos. Como uma continuação direta de Skyfall, mesmo que tenha um ritmo completamente oposto, o novo longa da franquia é uma prova de que ser refém de expectativas pode não ser tão bom.
Sam Mendes já havia feito uma obra prima em Skyfall, disparado um dos melhores filmes do personagem criado por Ian Fleming. Retornando para a cadeira de diretor, algo que não acontecia desde a década de 80, era normal esperar algo igualmente grandioso. Mas a opção de construir 007 Contra Spectre como um filme banhado pelo mistério pode desapontar quem se acostumou com o James Bond porradeiro e explosivo de Daniel Craig.
Outra mudança visível era a iniciativa de criar uma ligação desde Cassino Royale até Spectre. E é no decorrer do longa que você percebe que tudo realmente estava conectado, como uma teia de informações e pessoas. O símbolo da organização ser um polvo representa isso da melhor maneira possível. Como tentáculos que prendiam James Bond, cada inimigo apresentado até hoje tinha o mesmo ponto de origem. A cabeça pensante de algo grandioso. O maior inimigo do 007: Ernst Stavro Blofeld.
Christoph Waltz comprova porque é um dos melhores atores dos últimos anos. De fala mansa e passos leves, ele encarna com maestria o homem que moldou o destino de James Bond desde sua infância. Se ele afirma estar presente desde o começo de tudo, poderia aparecer mais durante as quase 3 horas de filme. Alguém tão excelente merece ser mais explorado. E esse é um dos grandes problemas de Spectre.
Do outro lado da moeda, M (Ralph Fiennes) luta para que o Serviço Secreto e o programa 00 se mantenham relevantes diante do novo cenário mundial. Além de explorar o passado de Bond, os filmes com Daniel Craig trouxeram também a temática da globalização. A premissa levantada por C (Andrew Scott) durante quase todo filme é de que um simples drone poderia fazer o trabalho de um agente de campo. Sem mortes, só diversão. Se o passado assombra James, o futuro não é tão amigável.
Com um espírito dos filmes clássicos, 007 Contra Spectre peca em tentar agradar demais os fãs e deixar de lado o que trouxe o personagem de volta para os holofotes. Ao jogar a expectativa para o público, o filme exagera num mistério de certa forma inútil. Esconder até o último segundo a identidade de Blofeld e sua ligação com James seria mais interessante se fosse melhor construído. As revelações não colocam nenhuma expressão de surpresa no rosto do protagonista e nem nos fãs mais atentos. Mesmo sendo uma comparação injusta, é impossível não ficar pensando em Skyfall. A sede de usar o máximo possível da Spectre, ainda mais depois de toda a confusão para tê-la de volta, não foi a melhor das opções.
Marca registrada da nova safra, a Bond girl da vez não deixa a desejar. A bela Madeleine Swann (Léa Seydoux) segue a dinastia de mulheres fortes, que sabem se defender e que ainda tem tempo para salvar nosso herói. Mesmo apelando para o rapto, algo parecido com o que aconteceu com Vesper em Cassino Royale, o roteiro não diminui sua importância na trama e na vida futura do 007.
Daniel Craig disse em várias entrevistas recentes que estava cansado de viver o agente britânico. Isso fica explícito em sua atuação no longa. Mais canastrão do que o normal, o ator parecia contar as horas para que tudo terminasse. Mesmo tendo contrato para mais um filme, é possível afirmar que a Era Craig chegou ao fim. Ser um dos melhores James Bond de todos os tempos é um prêmio bacana até.
007 Contra Spectre é um bom filme, mas poderia ser excelente. Ainda sim é um final decente para a franquia. Retrato fiel do desgaste imposto pelo tempo, o longa mostra que até mesmo James Bond fica de saco cheio de salvar o mundo. Melhor deixar o personagem descansar por um bom tempo. Voltar com as energias renovadas será melhor para todo mundo.