Por Ingrid Pedrosa
No dia primeiro de março chegou à Netflix a segunda leva de filmes do Studio Ghibli, como parte do acordo que disponibilizará 21 filmes ao todo. Neste mês foram adicionados 7 filmes ao catálogo do serviço de streaming, incluindo a última obra do diretor Isao Takahata, falecido em 2018. Abarcando quatro décadas (1980-2010) da produção dos artistas envolvidos no aclamado estúdio, os filmes deste mês envolvem bastante magia e elementos fantásticos, típicos da obra Ghibli.
Esse post é uma continuação do post do mês passado (confere lá) e segue as mesmas diretrizes: servir como um guia dos filmes lançados esse mês que ajude os interessados a se aproximar da obra do estúdio. Vamos lá!
Nausicaä do Vale do Vento (1984)
Começo esse post sobre os filmes da Ghibli falando sobre um filme que não é da Ghibli. Lançado em 1984, um ano antes da fundação do estúdio, Nausicaa é frequentemente agrupado com as obras Ghibli por ser o primeiro longa completamente autoral de Hayao Miyazaki. Adaptando os primeiros volumes de um dos únicos mangás de Miyazaki, Nausicaa conta a história de um mundo pós-industrial e pós-apocalíptico. Mil anos depois dos Sete Dias de Fogo, evento que deixou o mundo em ruínas, existem várias nações se formando, e Nausicaa, a princesa do Vale do Vento, precisa lidar com a bela e intimidadora vida natural do mundo, e com a ganância das nações que ameaçam repetir os erros do passado. Uma das mais belas obras de toda a carreira de Hayao Miyazaki, e um de seus filmes mais ambientalistas, Nausicaa indica muito bem o caminho a ser trilhado pelo diretor ao longo de sua carreira.
Boa introdução? Sim! Não é o primeiro a toa. Grandes visuais, uma excelente protagonista, uma história muito envolvente, e um bom filme pra entender os interesses recorrentes do diretor.
Para ver com? Bem versátil. É um filme vibrante, bom pra ver com muita gente, mas que também tem material para motivar uma reflexão solitária.
Bom para maratonar? Sim. Cheio de energia, muito bonito, e se relaciona bem com outros (incluindo o próximo), então se encaixa bem nessa lógica.
Idades que vão amar? Para todas as idades. Tem muita ação e visuais impressionantes para espectadores mais jovens e fãs de animação mais velhos, e temáticas bem trabalhadas que podem introduzir as crianças a temas mais adultos sem deixar de oferecer algo para adultos.
Princesa Mononoke (1997)
Outro filme de Miyazaki com grande foco na temática ambientalista, Princesa Mononoke conta a história de Ashitaka, príncipe do povo Emishi amaldiçoado pelo espírito corrompido de um deus javali. Deixando sua aldeia em busca de uma cura e das origens de sua maldição, Ashitaka se encontra no meio do embate entre as forças da industrialização e da natureza. Essas forças são representadas respectivamente por Lady Eboshi, a líder de um vilarejo de mineradores, e San, a titular Princesa Mononoke, criança humana criada pela deusa loba Moro, habitante da antiga floresta ameaçada pela expansão do vilarejo de Eboshi.
Mononoke se destaca por ser um filme com um ambientalismo convicto, mas que ainda retrata com justiça argumentos em favor do desenvolvimento humano. O primeiro grande sucesso da Ghibli no Ocidente, Mononoke, ao lado de A Viagem de Chihiro, é o filme que faz o estúdio se tornar aclamado por tantos fãs fora do Japão.
Boa introdução? De certo modo. Não é exatamente o mais representativo dos filmes (é de longe o mais violento da carreira de Miyazaki), mas é excelente, e traz algumas das qualidades que vão ser recorrentes no estúdio.
Para ver com? Vale a pena ver com mais alguém. Existe muito a se discutir depois da sessão. Se você quer apresentar um bom filme para alguém que duvida do valor “desses Pokemons que cê assiste”, Mononoke é uma das melhores escolhas.
Bom para maratonar? Sim. Apesar de ser o mais longo da carreira do diretor, é um filme com muita ação e emoção. Assista depois de Nausicaa e vá protestar contra o aquecimento global.
Idades que vão amar? Já falei que é o mais violento de Miyazaki, mas vale reforçar: não é bem filme para criança. Adolescentes e adultos, por outro lado, são um público muito adequado.
Meus Vizinhos, Os Yamadas (1999)
Conhecido pelo clássico da tristeza O Túmulo dos Vagalumes (único filme da Ghibli que não está vindo pra Netflix nesse acordo), Isao Takahata também é responsável por esta divertida comédia familiar. O filme retrata diversos momentos do cotidiano da família Yamada, composta por pai, mãe, avó, filho pré-adolescente, filha mais nova, e cachorro. Com várias sequências poéticas intercaladas com momentos corriqueiros da vida dos Yamadas, o filme retrata com beleza e cuidado dinâmicas familiares, desde os conflitos reais até os momentos de alegria e união.
Boa introdução? Não muito, não é um filme típico Ghibli. É mais adequado para pessoas já investidas em animação e na carreira de Takahata (o filme é relativamente representativo das temáticas do diretor)
Para ver com? Se você tem uma relação muito tranquila com a sua família, veja com eles. Se não, ver sozinho ou com alguém bem próximo são boas decisões. Não é exatamente um filme pra uma sessão com muitos amigos.
Bom para maratonar? É um filme meio melancólico, que lida com assuntos muito pessoais. É feliz e tranquilo o bastante pra encerrar uma maratona de maneira agradável, mas você não vai acabar Yamadas pronto pra partir pra outro.
Idades que vão amar? A obra de Takahata em geral é mais direcionada para um público mais velho, com menos dos mundos fantásticos de Miyazaki e mais reflexões sobre família e identidade. Bom filme para jovens, adultos e jovens adultos.
A Viagem de Chihiro (2001)
O mais famoso de todos os filmes do Studio Ghibli, A Viagem de Chihiro conta a história de Chihiro Ogino, garota que começa o filme fazendo uma viagem de mudança com seus pais. Ao pararem num parque abandonado, os pais de Chihiro acabam sendo amaldiçoados, deixando a garota presa no mundo dos espíritos, onde ela passa a trabalhar na casa de banho da bruxa Yubaba. Lá, Chihiro é renomeada Sen, conhece diversos personagens curiosos, como a maternal Lin e os misteriosos Haku e Sem-Face, e se esforça para quebrar a maldição de seus pais e voltar para o mundo humano.
O único filme não-americano a ganhar o Oscar de Melhor Animação, A Viagem de Chihiro retrata de maneira fantástica e emocionante a jornada de crescimento de sua protagonista, e como a gentileza da personagem acaba mudando a vida de todas as pessoas ao seu redor (provavelmente o elenco coadjuvante mais encantador da história do estúdio). Apesar de não ter nem 20 anos de idade, o filme já é um dos maiores clássicos da história da animação japonesa, e se destaca mesmo dentro do currículo estrelado da Ghibli.
Boa introdução? Talvez a melhor. O filme tem ação, contemplação, e em seus impressionantes visuais e cativante elenco, uma das ambientações mais cativantes do cinema.
Para ver com? Com quem você quiser. Não existe maneira errada de assistir A Viagem de Chihiro.
Bom para maratonar? Por ter alguns momentos contemplativos e melancólicos, não é um filme que funciona bem para manter o ritmo de uma maratona, mas pode funcionar como boa abertura ou encerramento do seu dia de Ghiblis.
Idades que vão amar? Todas as idades. O filme tem muito a oferecer para todos os tipos de público, desde crianças que podem se relacionar com a protagonista a adultos com interesse no ambiente fantástico.
O Reino dos Gatos (2003)
O único filme da Ghibli que tem relação canônica com outra obra do estúdio (é um spin-off de Sussurros do Coração, um dos filmes que vão chegar no Netflix em 1º de Abril), O Reino dos Gatos conta a história de Haru Yoshioka, uma estudante do ensino médio que salva um gato de um atropelamento. O gato é revelado como sendo Lune, o príncipe do Reino dos Gatos, e depois de algumas confusões, acaba sendo arranjado o casamento entre Haru e Lune. Quando fica claro pra Haru o que isto significa, ela começa a tentar fugir do Reino dos Gatos, antes que o casamento seja oficializado e sua transformação em gata seja completa.
O Reino dos Gatos, dirigido por Hiroyuki Morita e com roteiro de Reiko Yoshida (dois criadores com pouco histórico dentro da Ghibli, passando a maioria de suas carreiras em projetos de outros estúdios) acaba sendo um dos mais modestos projetos do estúdio. O mais curto longa da história da Ghibli, com apenas 75 minutos, e dispondo de visuais um pouco abaixo do padrão impressionante estabelecido por Miyazaki e Takahata, é útil ir para esse filme com expectativas um pouco mais comedidas. Dito isso, ainda é um filme divertido, especialmente para os grandes fãs de gatos.
Boa introdução? Não. É um filme simpático, com vários elementos bem Ghibli, mas não tem a potência de um filme como Nausicaa ou Chihiro. Acaba sendo mais uma curiosidade.
Para ver com? É um filme leve e divertido, bom pra ver com amigos e pessoas já interessadas em Ghiblis. Ou com seu gato!
Bom para maratonar? Bastante. Como já disse, é um filme bem curto, bem leve e bem fofo, fácil de ver junto com vários outros.
Idades que vão amar? É um bom filme pra crianças. Não demanda tanta atenção e tem diversos bichos fofos. Alternativamente, qualquer pessoa que gosta de gatos.
O Mundo dos Pequeninos (2010)
O primeiro filme do diretor Hiromasa Yonebayashi, um de apenas dois diretores que não fundaram o Studio Ghibli a dirigirem mais de um filme (o outro sendo Goro Miyazaki), O Mundo dos Pequeninos conta a história de Arrietty, uma pequenina de cerca de dez centímetros de altura, que vive com sua família em segredo dentro de uma casa humana. Quando Kamiki, sobrinho-neto doente da dona da casa, chega para morar na casa por algum tempo, a dinâmica de normalidade para a família de Arrietty é ameaçada.
O filme é uma adaptação do livro Os Pequeninos Borrowers, de Mary Norton, e sua sensibilidade acaba dividida entre a fantasia característica da Ghibli e a fantasia típica de livros ingleses para crianças de meados do século 20 (As Crônicas de Nárnia, O Hobbit, Mary Poppins, entre outros). Ainda assim, é um filme extremamente cativante, e, pelo menos quando da perspectiva dos pequeninos, uma das obras mais visualmente inventivas da história do estúdio.
Boa introdução? Pode ser adequado se o espectador já conhece e tem interesse pelo conceito dos pequeninos, mas por ser uma adaptação que traz com muita força o espírito de uma outra cultura e mente criativa, acaba não sendo uma grande introdução à Ghibli.
Para ver com? É um filme versátil: leve o bastante pra se ver com amigos, mas também funciona para um dia em que você esteja sozinho e queira relaxar.
Bom para maratonar? Não é um filme que vai começar ou encerrar uma maratona com chave de ouro, mas é curto e divertido, se encaixando bem no meio de uma série de assistidas.
Idades que vão amar? Pode ser um filme muito atrativo para crianças, já que o conceito estimula muito a imaginação delas sobre o mundo a seu redor, mas a ambientação e a protagonista são boas o bastante para conquistar espectadores mais velhos também.
O Conto da Princesa Kaguya (2013)
O último filme de Isao Takahata, um dos fundadores e pilares do estúdio Ghibli, falecido em 2018 aos 82 anos de idade, O Conto da Princesa Kaguya é uma adaptação de uma das mais antigas histórias do folclore japonês, O Conto do Cortador de Bambu. Em ambas as versões, a história básica é a mesma: um cortador de bambu sem filhos encontra uma garota em miniatura dentro de um broto de bambu. Acreditando que a garota é uma presença divina, o cortador de bambu e sua esposa a adotam como filha. A garota cresce rapidamente, ganha o nome de Kaguya, e o cortador de bambu usa o ouro que encontra no bambuzal para tentar propiciar uma vida de luxo e nobreza para sua filha.
A partir desse ponto, O Conto da Princesa Kaguya toma liberdades com a história original, mantendo a estrutura básica e os eventos principais, mas se dedicando a um dos temas favoritos de Takahata: a complexidade das relações familiares. Em seu último filme, temos uma Kaguya que é uma garota comum, brincalhona, que deseja viver sua vida em liberdade, e seus pais como um casal cujo genuíno amor por sua filha toma uma forma rígida demais para o bem dela. A direção cuidadosa e o estilo único de animação do diretor fazem do filme um dos mais emocionantes da história da Ghibli. Prepare o lenço.
Boa introdução? Mais ou menos. É representativo da obra do Takahata, e é um filme excelente, então pode deixar você interessado em outros, mas se você tem dificuldade de gostar de coisa que te deixa triste, algo como Yamadas acaba sendo uma introdução melhor.
Para ver com? Alguém com quem se sente confortável chorando perto de. Talvez isso seja o seu grupo de amigos, mas mais provavelmente seria melhor com pessoas com quem você tem muita intimidade, ou mesmo sozinho.
Bom para maratonar? Não muito. É o filme mais longo da história do estúdio, com 137 minutos, e não é exatamente o tipo de obra propulsiva cheia de ação que te deixa pronto pra outra.
Idades que vão amar? Apesar de não ter nenhuma violência no filme, não é bem algo que crianças vão se relacionar muito com. Melhor para adolescentes e jovens adultos com relações familiares complicadas.
Esse post é fruto de uma parceria entre o Molho Shoujo Podcast e o CosmoNerd. Confira os episódios do programa clicando aqui.