Nesta entrevista, Becky Cunha conversa com o escritor, pesquisador e tradutor Enéias Tavares sobre dois clássicos da literatura fantástica que ele organizou para a DarkSide Books: A Máquina do Tempo, de HG Wells, e O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.
CosmoNerd: Você trabalhou recentemente na organização dos livros O Retrato de Dorian Gray e A Máquina do Tempo para a editora DarkSide Books. Pode explicar primeiro aos nossos leitores o que exatamente faz um Organizador no mundo editorial?
Enéias Tavares: Olá, querida, Becky. Um prazer esse bate-papo contigo e com os queridos amigos do CosmoNerd. Em primeiro lugar, um organizador é um sujeito que idealiza, ao lado dos editores, detalhes de novas edições, especialmente no caso de clássicos em domínio público que já contam com outras versões e publicações por outras editoras. No caso de A Máquina do Tempo, por exemplo, foi uma ideia minha e do editor Lielson Zeni que tivéssemos quatro contos de autores nacionais, que pudessem contrapor tanto em vozes quanto em estilo a trama e o texto de Wells. A decisão de quais autores convidar e dos paratextos críticos que servem de suporte à obra fica aos cuidados do organizador. Com Dorian Gray, foi decisão nossa e também da editora Marcia Heloisa a escolha dos paratextos e textos de época que compõem a edição, que conta com nova tradução de Paulo Cecconi.
CosmoNerd: Além disso, como é trabalhar com uma editora do porte da DarkSide Books? Não rola um medinho?
Enéias Tavares: Sinceramente? Rola sim. Especialmente, porque além de autor e tradutor, sou um leitor e um imenso admirador da DarkSide, uma editora que renovou o mercado e que investe tanto em edições de qualidade, com diagramação ousada e projeto gráfico inventivo. Então, começar a trabalhar com eles – ainda com meu romance, Parthenon Místico – foi um sonho realizado. Assim, o nervosismo em si faz parte do processo, mas tento equilibrá-lo com alegria, entusiasmo e paixão por estar desenvolvendo projetos com a caveira.
CosmoNerd: Já que você mencionou o aspecto gráfico dos livros, em conversa com pessoas do ramo, ouvi algumas críticas sobre a diagramação da DarkSide. O que você pensa sobre essa “polêmica”?
Enéias Tavares: É sempre complicado encontrar um denominador comum. Já tive experiências diversas a partir do meu trabalho com diferentes editoras, com alguns leitores elogiando diagramação e outros fazendo críticas. Cada leitor tem um ideal de livro e de experiência de leitura e nem sempre a editora entrega um projeto que agrade a todos. Sobre Juca Pirama Marcado para Morrer, meu romance de “A Todo Vapor!” publicado pela Jambô Editora, já recebi mensagens de leitores reclamando do livro ter uma letra muito grande e de outros por ter uma letra muito pequena. No caso da DarkSide, acho que o nível de experimentação gráfica deles pode levar a diferentes recepções. Eu amo, por exemplo, o Drácula e o Frankenstein da DarkSide terem letras que imitam tipografia do século XIX, mas entendo que isso pode não agradar a alguns leitores.
CosmoNerd: Qual foi a sua maior preocupação na produção desses livros? Ambos são bem famosos, e os leitores prezam demais por qualidade. Recentemente tem pipocado na rede reclamações sobre algumas edições do mercado que não levam em conta detalhes importantes, como expressões racistas, capacitistas ou LGBTQfóbicas. Como, aliás, você, como responsável por um projeto grande desses, lida com essas questões?
Enéias Tavares: Além de organizador, assino as introduções dos dois livros. Nelas, procurei dar conta de questões biográficas, artísticas e temáticas, sobretudo para leitores que estão chegando nesses autores pela primeira vez. Quanto às questões apontadas, são de extrema importância para mim, que trato delas em minha ficção, e também para a DarkSide, que valoriza em sua própria equipe diferentes opiniões, identidades e orientações, vide todo o trabalho feito com o Prêmio Machado, lançado no ano passado. Para mim, isso é essencial, por isso o cuidado que tivemos com os paratextos de Dorian Gray, sobretudo pela biografia tão violentada de Wilde dada a sua orientação e também na variedade de pessoas envolvidas, tanto nas novas traduções quanto nos paratextos. No caso de Máquina, tivemos o prazer de contar com nomes como Aline Valek, Felipe Castilho, Ana Rüsche e Braulio Tavares, autores que valorizam esses temas em sua própria ficção. O livro também contou com tradução de Jana Bianchi, uma autora e ativista que muito tem contribuído para esses debates em sua obra e carreira.
CosmoNerd: Todo livro precisa passar pela mão de vários profissionais antes de ficar pronto. Como é, para você, ter que lidar com tantas visões diferentes? Normalmente, durante a preparação do livro, quando há uma dúvida relacionada ao sentido da frase ou de alguma expressão, enviamos o texto novamente para o autor para que seja sanada a dúvida. No caso desses livros, com autores que morreram faz um tempinho, como funciona?
Enéias Tavares: Sendo Brasiliana Steampunk uma série transmídia, que depende de vários profissionais para produzir tudo o que produzimos – entre jogos, quadrinhos, audiovisual, audiodrama, etc. – já estou habituado a trabalhar com muitas pessoas e acho que a própria arte se fortalece no diálogo, na troca e no aprendizado em equipe. Então, é bem tranquilo poder contar com tantos profissionais, sobretudo porque todos querem a mesma coisa: o melhor livro. No caso de clássicos em domínio público, quando não podemos mais consultar os autores, fazemos um trabalho de debate com os tradutores e também a recorremos à crítica, que não raro revela muitos enigmas do texto. É o caso do trabalho fantástico que o pesquisador Luiz Gasparelli Jr. fez com Dorian Gray, assinando as notas do romance e um ensaio incrível sobre o julgamento que autor e obra sofreram em 1895, culminando na condenação absurda de Wilde a dois anos de prisão pelo suposto “crime” de sodomia. Esse nível de trabalho de pesquisa resulta numa edição mais rica e numa experiência de leitura mais enriquecida e imersiva.
CosmoNerd: Dos dois livros, qual você gostou mais de participar da produção? O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, ou A Máquina do Tempo, do H.G. Wells?
Enéias Tavares: É uma pergunta difícil, querida. É como perguntar a um escritor qual de seus livros é o favorito. Dado o fato de Dorian Gray ser meu romance clássico favorito eu votaria nele, mas Máquina é um dos livros ao qual devo minha carreira. Isso porque é ele que dará origem a Morlock Night (1979), de K. W. Jeter, romance fundador do gênero steampunk no qual todos os meus livros de ficção, de A Todo Vapor! (Jambô), Guanabara Real (AVEC) e Brasiliana Steampunk (DarkSide), irão dialogar. Digamos que o autor de suspense em mim adorou trabalhar em Dorian Gray, enquanto o autor de Ficção Científica realizou um sonho com Máquina do Tempo.
CosmoNerd: Você mesmo é escritor, além de tradutor, revisor e professor de literatura, possuindo trabalhos publicados (inclusive pela DarkSide), uma série baseada no seu universo Steampunk na Amazon Prime… Como consegue conciliar tudo isso?
Enéias Tavares: Em resumo: Bullet Journal, pouco sono e muita cafeína. Fora isso, organização pessoal é imprescindível. Além de descanso, amigos e um lugar inspirador. Recentemente, me mudei para uma casa de campo no interior do Rio Grande do Sul. Aqui, perto da natureza – e com uma internet rural boa, claro! –, convivendo com pássaros, verde e um riacho, consigo encontrar a paz para poder me organizar, viver e tocar vários projetos. Amei esse papo contigo, Becky. Muito obrigado e um grande abraço a você e aos leitores do CosmoNerd!
Enéias Tavares tem pesadelos com o retrato de Dorian Gray e sonha em viajar pelo tempo. Estreou na DarkSide Books com Parthenon Místico (2020), um romance transmídia que reinventa a literatura brasileira clássica. Além de professor na UFSM e tradutor, explora o insólito e seus arredores. Mais de sua produção em eneiastavares.com.br.