É provável que uma das coisas mais difíceis dos últimos tempos seja encontrar um jovem da minha geração, ou de uma geração mais abaixo, que não sofra com a ansiedade. Se analisarmos a nível Brasil, somos um dos países com maior taxa de ansiedade do mundo segundo a OMS. A depressão também não está atrás no pódio, atingindo números cada vez mais alarmantes ao redor do planeta. Estamos adoecendo por inúmeros motivos, e parar o mundo porque queremos descer é o grande desafio da vez.
Beth Evans, uma quadrinista do Illinois, entende bem isso. Tão bem que, com extrema sensibilidade e bom humor, escreveu e ilustrou o Diário de uma ansiosa ou como parei de me sabotar (Galera Record). A autora sofre com ambos os transtornos, que começaram a se desenvolver ainda na infância, e precisou chegar a níveis extremos para que, enfim, conseguisse pedir ajuda. A partir da sua página no Instagram @bethdrawsnthings, Evans passou a postar tirinhas sobre conviver com a ansiedade e a depressão, o que acabou gerando posteriormente o seu livro.
Tá todo mundo mal, mas há jeito
Apesar de ser um livro publicado por um selo editorial voltado para o público juvenil, e dialogar bastante com adolescentes, quem já passou dessa faixa etária consegue, sim, se identificar com a narrativa. Principalmente porque a autora já está na casa dos vinte e tanto, o que facilita a identificação – e a todo tempo, ela reforça o quão difícil é ser um jovem adulto. Beth conversa conosco a partir das suas experiências, voltando várias vezes ao passado para narrar situações que foram essenciais para o agravamento dos seus sintomas nos anos seguintes. Essa escolha narrativa é fundamental para mostrar que nenhum transtorno mental surge do nada.
E também partindo da sua experiência, Beth dá dicas do que funcionou para ela lidar com os altos e baixos da ansiedade e da depressão, sempre trabalhando em cima de uma mensagem positiva. Mesmo em momentos mais densos da leitura, há um incentivo acompanhado de uma ilustração bonitinha.
E falando sobre ilustração, é curioso ver que a maior parte delas é uma espécie de feijãozinho. Raras são as vezes que há um desenho mais humanizado da autora ou de outros personagens. Provavelmente, porque a ansiedade e os seus sintomas já viraram universais. Todos nós podemos ser os feijõezinhos que vivenciam aqueles eventos e sentem aquelas sensações.
“Você não está só”
Outro recurso muito importante é Evans se dirigir diretamente a quem lê, o que fortalece a ideia de se estar conversando com uma amiga e aumenta a identificação. Várias vezes durante a leitura, me peguei pensando “é desse jeito mesmo” e querendo marcar inúmeras passagens.
Em um dos capítulos, a autora fala sobre ter uma amiga que mora em outro continente e com quem compartilha uma paixão em comum. No caso de quem lê, é mais ou menos isso o que acontece. Não é fácil encontrar alguém que passa e sente o mesmo que você, mas é essa sensação de acolhida que, para mim, tornou o livro tão especial. Beth Evans está a quilômetros de distância, mas também sente coisas similares a mim. A nós. E ver que ela está aos poucos conseguindo lidar com esses medos e encontrando saídas também funciona de combustível. “Eu também posso sair dessa.”
Para aquecer o coração
Diário de uma ansiosa, apesar de tratar de um tema difícil, é leve e delicado principalmente porque estabelece um diálogo com o leitor. A linguagem é simples e clara como uma boa conversa com uma amiga deve ser e, para mim, esse é o grande charme e a importância do livro. Vi em alguns locais pessoas criticando a narrativa por isso, mas enxergo como a escolha mais acertada. Você não precisa de palavras bonitas ou complexas para falar do que existe dentro de si e que é compartilhado com tantas outras pessoas: você precisa de empatia. E é só com isso que você conseguirá atingir o outro.
Para quem leu e quer mais, fique feliz: a página no Instagram de Beth Evans é atualizada com frequência, ainda que em inglês. Lá fora, já foram publicados mais livros da autora. Espero que a Record traga os demais em breve.
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