Ghost in the Shell | Crítica

Eu adoro o gênero cyberpunk, acho uma ambientação fantástica que está voltando com tudo para o cinema e amo absorver obras nesse estilo. Tenho ciência que Ghost In The Shell é uma das obras mais importantes que ajudaram a definir esse gênero na cultura pop em geral. Mas quando assisti o filme original a alguns anos atrás, não consegui me conectar bem com a história por achar que o longa tem sérios problemas narrativos, esse ano assisti a versão americana e também achei fraca. Então fui atrás do mangá para ver se me interessava mais, o resultado não foi bem o esperado.

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Ghost in the Shell é um mangá de 1991 que conta a história da Major Makoto Kusanagi e seus colegas da Seção 9, uma espécie de agência secreta do governo para fazer trabalhos sujos. As histórias se passam em uma Tóquio futurista onde implantes cibernéticos, inteligências artificiais e grandes corporações que controlam o mundo são uma realidade.

Para começar, gostaria de parabenizar a JBC por lançar uma edição brasileira digna do clássico que é GTS. O acabamento da edição está lindo com uma capa extra e páginas coloridas, além de ter o tamanho da página maior do que o normal de mangás no brasil, o que ajuda na apreciação da linda arte de Masamune Shirow.

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Fiquei com sentimentos mistos quanto a Ghost in The Shell, mas vou tentar separar os aspectos do mangá e o que achei de cada um. Primeiramente falando da ambientação, não temos o que falar mal da obra, o cenário criado por Shirow ajudou a criar um estilo na cultura pop e é tudo muito bem construído e conciso. O autor utiliza muito conhecimento teórico de política, filosofia, tecnologia e até religião para construir sua Tóquio do futuro e os outros países que se relacionam com a mesma. É uma ambientação que abre espaço para muitas discussões e histórias diferentes. A arte super detalhista nos cenários e aspectos tecnológicos de Shirow ajuda nessa imersão de uma forma incrível, tire um tempo para apreciar as capas dos capítulos, temos pin ups lindos ali misturando artes de seres humanos com máquinas.

Falando sobre pesquisa, o trabalho do mangaká para criar essa obra foi descomunal. A cada 3 páginas existem notas do editor explicando conceitos, aspectos da obra ou opiniões do autor sobre assuntos diversos. Em alguns momentos ele deixa claro que é sua opinião pessoal sobre o assunto mas em muitas outras ele dá referências de livros sobre tecnologia, filosofia ou até religião. Não é de se espantar que o seu mundo seja muito bem construído e que suas ideias são progressistas até hoje, o cara fez uma pesquisa extensa e criou uma obra em que alguns momentos parece mais um TCC.

É aí que entramos no principal problema da obra na minha opinião, o autor ficou tão preocupado em explicar e embasar tudo que ele fez que isso acabou influenciando fortemente na narrativa da história. Enquanto o mundo é muito bem desenvolvido, os personagens e suas ações são desinteressantes e mal desenvolvidas. É importante para a trama que a personagem principal não tenha identidade mas isso acaba gerando um desinteresse e falta de empatia com os personagens. Outro problema da narrativa é o excesso de motivações políticas que existe nas missões da equipe, o autor começa a falar de países, cargos e acordos financeiros e o leitor fica perdido em meio a tanta informação que cada missão parece somente os personagens entrando em conflitos aleatórios.

A parte tecnológicos e filosófica, apesar de ser muito bem embasada, não foi bem colocada na trama e acaba deixando o leitor perdido em alguns momentos também. É interessante que ele tenha uma pesquisa muito grande no assunto mas isso fere a narrativa da obra de uma forma muito agressiva e destrói completamente o ritmo das histórias. Existem sequências de 3 páginas que mais parecem um livro teórico de física quântica do que um mangá. Isso gera uma confusão tão grande na mente do leitor que ele acaba não se importando muito para o que está acontecendo na trama.

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Outros fatores que acabam tirando a imersão do leitor são o que eu gosto de chamar de “japonezismos” da obra. A objetificação feminina é desnecessária e exagerada, não me surpreende, pois o autor é conhecido por começar sua carreira fazendo hentais. As mulheres geralmente estão com colantes ou com roupas saídas de uma sex-shop. Isso faz sentido na trama quando mulheres robôs aparecem como serventes de homens ricos, mas existem outras que estão trabalhando em órgãos públicos usando roupas mínimas, isso o autor não conseguiu encaixar bem. Outro aspecto que tira da narrativa é o excesso de piadinhas fora de contexto, a obra contém uma discussão política e filosófica muito boa mas acaba tirando nossa atenção com peitos e piadas bobas.

Falando da parte política, eu achei incrível o conteúdo social que a obra aborda. Shirow consegue trazer discussões sobre política internacional, direitos humanos e discussões sobre socialismo e capitalismo que são discutidas até hoje. A sua opinião política é bem mista e raramente pende para um lado em específico, acredito que é o tipo de obra que cada um pode interpretar da sua maneira e isso é um grande ponto positivo. Infelizmente, muitas das mazelas de seu mundo hoje são uma realidade e isso está bem longe de mudar.

No fim, Ghost in The Shell consegue trazer uma história muito importante para a cultura pop em geral, é fácil ver de onde muitas obras se inspiraram e a importância dessa obra como um todo. A arte, questões filosóficas e sociais são sensacionais mas infelizmente os combates e cenas mais tensas acabam se perdendo em meio a textos filosóficos demais, missões com objetivos confusos e piadinhas fora de contexto. Podemos dizer que GTS é uma obra super progressista em termos de criação de universo e discussões mas acaba sendo um fruto de seu tempo em questão de narrativa.