Que Tolkien é um dos maiores escritores do gênero fantasia não é segredo pra ninguém. O homem era tão grande que possui um vasto material sendo ainda publicado pelos filhos, que buscam preservar o seu extenso legado. E põe extenso. Mas algumas coisas não ficaram incompletas, e Ferreiro do Bosque Maior é uma delas, sendo considerada a despedida de Tolkien do mundo da literatura… e talvez do mundo per se.
A história
“Ferreiro do Bosque Maior” é um conto que se passa em um mundo como o nosso, mas intrínseco a universos mágicos. Bosque Maior é uma vila, no qual a cada vinte e quatro anos ocorre um evento tradicional conhecido como Festividade das Boas Crianças. Aqui, o Mestre-Cuca faz um bolo gigante, de forma que, cortando vinte e quatro fatias, nenhum dos pequenos convidados fique sem o doce. Dentro dele, ficam escondidos pequenos presentes para que as crianças encontrem enquanto o comem, de forma a diverti-las (o que eu acho pouco saudável, se considerar que alguém pode morrer engasgado numa dessas).
No ano em questão, uma das crianças engole sem querer uma estrela mágica, que faz com que passe a ter a capacidade de andar entre o nosso mundo e Féeria, o mundo das fadas.
Por se tratar de um conto, é uma história rápida de se ler, podendo ser degustada de forma generosa por quem a consome, processando temas mais maduros, como luto, legado e descendência.
Nessa época, Tolkien já havia consolidado há muito as ideias de Mundo Secundário, trazendo as bases da construção de universos fantásticos, que para ele deveriam envolver a solidez de uma criação e uma subcriação de mundo. Como assim? Que se você vai criar um mundo novo, ele deve ser tão complexo e completo quanto o nosso (chamado Mundo Primário), com geografia, história e características próprias e únicas. E o que isso tem a ver com “Ferreiro do Bosque Maior”? Tudo.
Para compreender com precisão o que está sendo contado aqui, é preciso que se entenda a concepção tolkieniana de contos de fadas, visto que “Ferreiro do Bosque Maior” traz uma visão amadurecida e bem construída do mundo das fadas, sendo aqui Féeria. A cada página lida, percebemos o quão crível é esse outro lugar, e é possível até se cogitar se ele não existe de verdade, tão sólida é a sua estrutura.
Um fato curioso é o modo como a culinária é estabelecida dentro da narrativa, com um quê extremamente religioso, no qual o Salão seria a igreja, o Mestre-Cuca o padre, e o festival sendo caracterizado com um tom bastante respeitoso, como se fosse uma festividade dedicada a Deus (ou aos deuses, enfim, a entidades divinas). O ato de cozinhar seria, então, uma espécie de prece.
A tradução de Rosana Rios, feita para a edição da Harper Kids, está primorosa e dá muito gosto de ler.
Sobre a criação da obra
“Ferreiro do Bosque Maior” (“The Smith of Wootton”, no original) foi a última obra publicada por Tolkien em vida. O conto foi escrito em uma época de muito pesar para o autor, pois além de estar apreensivo quanto à sua idade avançada, seu grande amigo C.S. Lewis havia falecido há pouco tempo (o tipo de evento que normalmente leva qualquer um a repensar sua mortalidade). Nessas reflexões, como todo bom escritor que se preze, começou a levar sua mente não aos projetos em andamento, mas para uma nova história, escrevendo o rascunho do conto em 1965. O dito cujo foi lançado em 1967.
O livro é uma obra singela, e pode ser lido, mesmo sendo uma história mais madura, por todos os públicos.