Ghost of Tsushima Ghost of Tsushima

Ghost of Tsushima (PlayStation 4) | Crítica

Desenvolvido pela Sucker Punch Productions, Ghost of Tsushima é um tributo à cultura japonesa

Se minha obsessão juvenil pelos filmes e jogos de samurai me ensinaram alguma coisa, é que se você quer ser um grande espadachim é preciso ter uma conexão com a natureza. A habilidade com uma arma não é puramente impulsionada pela força física ou técnica, mas também pelos cuidados que surgem da observação do natural. Seus olhos não estão prontos para Ghost of Tsushima. Não importa o quanto você seja fã da Sucker Punch, nenhuma quantidade de jogos da série Infamous poderia tê-lo preparado para este jogo épico. É uma mistura de Assassin’s Creed com um mundo do tamanho de Horizon: Zero Dawn e uma biblioteca inteira de filmes do grandioso Akira Kurosawa, derretidos e aplicados diretamente em suas veias. Depois de dias e dias vagando por florestas, decapitando mongóis e parando de vez em quando para um pequeno toque de minha flauta, ainda queria mais quando o final de tirar o fôlego da história de Jin Sakai chegou.

A história do fantasma

Como acontece com muitas drogas poderosas, os efeitos do jogo só me capturaram horas depois. O prólogo é robusto e um pouco lento, apresentando o samurai Jin, sobrevivente de uma terrível batalha com os invasores mongóis, agora desesperado para resgatar seu tio, Lord Shimura, do cativeiro. No início, Jin parecia apenas mais um herói de videogame com cara de mal, e com quem eu não sentia nenhuma empatia. Na cena final, tive que enxugar uma lágrima. Jin nunca fez meu coração disparar, mas as histórias das pessoas ao seu redor sim. Isso por conta de personagens como Lady Masako, a matriarca do clã Adachi que está cheia de raiva e segredos, a ladra Yuna e seu irmão Taka, o monge guerreiro Norio cuja dor ameaça engoli-lo inteiro.

À medida que seus contos se desenvolvem, um capítulo de cada vez, você mergulha cada vez mais fundo no mundo. As missões vêm em vários sabores: a principal para salvar seu tio, aqueles que giram em torno de um elenco de aliados, missões secundárias menores e missões míticas para aprender técnicas especiais de combate. As histórias são contadas em capítulos, o que ajuda a se sentirem mais orgânicas, menos uma tarefa linear, e as performances realmente levam o que está em jogo. Os horrores da invasão mongol atingem de forma diferente quando são os pescoços de seus amigos em jogo.

Ghost of Tsushima
Jin Sakai.

Espadas, bombas de fumaça e posturas

O jogo começa suavemente com o combate, que consiste em dominar sua katana. Arcos e bombas terão seu papel no decorrer da jornada, mas a verdadeira satisfação vem de uma defesa perfeitamente sincronizada ou de um poder especial chamativo que corta seus inimigos como se eles fossem feitos de manteiga. Ao se esquivar, atacar e aparar, você constrói a cena de um filme. E isso tudo é de encher os olhos.

Nas horas iniciais do jogo, eu estava atacando como um louco qualquer mongol que se aproximasse demais e pagando o preço por meus erros desajeitados. Logo, aprendi a arte do tempo, como usar posições e quando simplesmente sair do caminho de um ataque que não pode ser defendido.

No final, o combate fluiu como uma dança, e eu sabia exatamente quando lançar uma kunai ou soltar uma bomba de fumaça para que meus inimigos me percam de vista, e aprendi a desviar de ataques como se tivesse desenvolvido um sensor aranha.

Além de grandes batalhas, há duelos mais cadenciados, em que suas bombas de fumaça e arco são retirados e você enfrenta um inimigo apenas com sua espada. Geralmente, eles marcam um momento-chave na história. Emoldurado como uma cena de filme, você ficará dividido entre sobreviver e fazer uma captura de tela perfeita.

Divulgação: Sucker Punch

O turismo na ilha Tsushima

A verdadeira estrela de Ghost of Tsushima não é seu herói Jin Sakai, mas sim a ilha que se exploramos. A Sucker Punch cumpriu sua promessa de usar o mundo natural como guia, com a direção do vento levando você a pontos de passagem, pássaros dourados mostrando o caminho para segredos ocultos, como fontes termais, e raposas conduzindo você aos santuários Inari. Com campos de grama de pampas, florestas de bambu, lagos e montanhas, é como correr em uma pintura e com algumas exceções, tudo é tão colorido, tão vívido, que correr entre as missões é como um vídeo ASMR de força farmacêutica. Você pode viajar rápido, mas descobrirá que não vai querer fazer isso sempre.

De alguma forma, entre as aventuras e bases inimigas e patrulhas mongóis, o mundo encontra espaço para momentos de silêncio. Existem lugares para parar e compor um haicai (forma de poesia japonesa surgida no século XVI, composta de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas, que geralmente tem como tema a natureza ou as estações do ano), fontes termais onde, depois de um flash, você é solicitado a refletir sobre seu relacionamento com seu tio ou sobre um acontecimento recente. Existem outros santuários que ficam no topo de montanhas e exigem um pé firme e um gancho para alcançá-los, e registros do mundo oriental escondidos implorando para serem coletados. É mais do que apenas um cenário, tudo tem um propósito. Você receberá um novo item, como uma faixa para a cabeça ou uma sela, sua determinação ou sua saúde máxima aumentarão. Você pode até mesmo tocar sua flauta para a qual você pode ganhar novas melodias procurando grilos aprisionados em gaiolas. É como se o mundo de Ghost of Tsushima tivesse sua própria linguagem que você aprende a reconhecer.

Algo que nos tira do universo é que, ocasionalmente, você encontrará uma área que parece que deveria haver mais de lá, como uma vila vazia ou acampamento mongol, onde a história quase certamente o levará mais tarde. Você ainda pode procurar suprimentos e segredos nos locais, mas parece que está vagando por um mundo vazio. No terceiro ato -SEM SPOILERS – você de repente está em uma área que parece desolada em comparação com os tumultos de cor e atividade no primeiro e no segundo ato, e é como estar mergulhado em água fria. Sim, isso marca uma reviravolta na história, mas… não é tão empolgante.

Divulgação: Sucker Punch

O que a cultura japonesa merecia

São reclamações menores em um jogo que me proporcionou dias e noites repletos de aventura e narrativa, fazendo um novo amor surgir em mim pela história e tradições do Japão feudal. Há muito o que fazer, desde a arte do pincel que aparece em cutscenes quando você está ouvindo um conto mítico, até o filtro Modo Kurosawa que pinta o mundo em um monocromático cinematográfico. Seria compreensível que a desenvolvedora Sucker Punch ficasse até que nervosa sobre o lançamento de um jogo tão próximo do aclamado The Last of Us 2 (leia nossa crítica), com o PS5 brilhando no horizonte, mas não deveria. Este é um grandioso exclusivo digno de atenção para o PS4 e um tributo à cultura japonesa que nunca foi tão bem homenageada como em Ghost of Tsushima.

Resumo

Uma narrativa que homenageia os filmes antigos de samurai; jogabilidade envolvente e bem fluida; ambientes de encher os olhos; física do jogo deixa um pouco a desejar; um jogo muito bom, porém nada memorável.

Por Renê Madeira

@renemadeira @gamesbonde