As Creepy Pastas são muito famosas na internet. Elas consistem em histórias de terror falsas espalhadas pela internet mas detalhadas o suficiente para serem bem críveis. As Creepy Pastas de jogos geralmente descrevem situações onde pessoas encontram cartuchos perdidos ou segredos em jogos famosos.
É dentro dessa mitologia que nasce “Bem Feito“, jogo brasileiro indie desenvolvido por @oiCabie, @nonamefornowso1, @Yukohhh_ e @Kazemyers.
“Somos quatro trabalhadores parceiros sob um regime igualitário de cooperativa (os 4 ganham a mesma porcentagem sobre TUDO que a gente ganhar fazendo jogo juntos) e, individualmente somos autônomos. Somos uma cooperativa de esquerda (…) Mas os cargos não são engessados, nós todos trabalhamos juntos, em equipe numa construção coletiva sem hierarquia. Aqui não tem patrão, tem quatro trabalhadores sem exploração“, comenta Carla Gabriela (@oiCabie).
Do que se trata “Bem Feito“?
O jogo brinca com a quebra da quarta parede logo no início, sendo vendido como um emulador de um antigo videogame portátil brasileiro. A experiência do jogo já inicia mesmo antes de iniciar o mesmo, pois você tem que navegar pela pasta de instalação, abrir o emulador e iniciar a ROM. O jogo também vem com um manual do videogame e cartucho muito daora, ajudando muito na imersão da narrativa.
O jogo em si é uma homenagem ao gênero de “fazendinha” como Harvest Moon. Todo dia, você controla Reginaldo, um pequeno garoto que precisa cumprir atividades de casa colocadas na sua geladeira. As coisas começam a ficar estranhas quando essas mensagens misteriosas pedem para você fazer ações esquisitas envolvendo os visitantes que você recebe em casa.
Não quero dar muitos spoilers, mas para perto do fim do jogo as coisas vão ficando mais bizarras e existe mais uma quebra da quarta parede. Essa, inclusive, foi minha parte divertida do jogo, pois você precisa cavucar uns arquivos usando o emulador e descobrir mais sobre a história do misterioso video-game fictício. A imersão nessa parte é muito forte e me lembrou meus primeiros anos de internet procurando histórias bizarras e teorias da conspiração em blogs exclusos. Cada pasta que eu abria a tensão aumentava e me deixava com mais cagaço. Posso dizer fácil que foi um dos jogos que mais tive medo de jogar, principalmente da forma como ele brinca com a nossa interação com arquivos digitais. Dessa forma, é muito fácil imergir na narrativa.
Os gráficos do jogo são ótimos, uma mistura de 2D com 3D e tons de cinza que lembram muito o primeiro Game Boy. Os personagens, apesar de aparecerem pouco, tem muita personalidade vinda tanto do seu character design como também do texto dos diálogos. Me deu um gostinho de quero mais para conhecer mais tanto do universo do jogo como também do console de bolso brasileiro. A música e os efeitos sonoros também ajudam muito na imersão, guiando seus sentimentos pelos momentos mais simples e mais bizarros da história.
No fim, “Bem Feito” traz uma mensagem bem crítica quanto a forma que jogamos vídeo games, sempre obedecendo tudo que é mandado para nós sem questionar as ações dos nossos personagens. Existe também uma crítica mais escondida ao corporativismo e sobre o que empresas são capazes de fazer para obter sucesso. Não é a primeira vez que esses assuntos são abordados em jogos digitais, mas “Bem Feito” traz boas reflexões mesmo com sua curta duração.
Recomendo muito para aqueles que curtem uma boa história de terror, um jogo brasileiro que é de verdade “bem feito” (você viu essa piada chegando que eu sei). Caso tenha interesse em adquirir o jogo, você pode comprá-lo na sua página oficial no Itchio.
Entrevista com a desenvolvedora Carla Gabriela
1 – Quais as principais inspirações para o “Bem Feito“? E de onde surgiu a ideia de fazer um jogo inspirado em Creepy Pastas?
“Puts! inspirações são muitas. Pro “Bem Feito”, especificamente, acho que OFF, Hypnospace, Harvest Moon e Open House. Mas num geral, eu me inspiro já faz muito tempo, como joguinista, nos trabalhos do Pedro Paiva (que atende pelo selo menosplaystation), assim como os do Jão, do Gools, do Vikintor, do Amaweks e tantos outros colegas da cena brasileira.
Bom, inicialmente a intenção não era ser creepypasta, isso foi acontecendo. Sempre foi de terror, mas como minha referencia no terror de jogo tá mais no creepypasta, acho que por isso a gente foi pensando na creepypasta“.
2 – Quais os maiores desafios que você passou durante a produção do jogo?
“BUGS! Eu detesto bug testing e debugging. Ter que jogar e rejogar meu jogo a cada passo que a gente dava pra ele ficar impecável e sem bugs. Isso foi a pior parte e o maior desafio“.
3 – Você tinha outras ideias que acabaram ficando de fora?
“Nossa, algumas. Acho que faz parte da criação, né?! A gente cortou muita coisa! Inicialmente, o jogo ia ter mais dias e a progressão ia ser mais lenta, mas a gente achou bobo, ia dar mais trabalho e não ia fazer sentido. A gente não curte jogo tão longo (e acho que o tamanho da gameplay que ficou no final ajuda a criar o clima de susto porquê não dá tempo pra tu “prever o que vem”/ não fica repetitivo). A gente também cortou dois itens, um galão de gasolina e um violão (haha), um sistema de achievements fake que ia servir de paródia pros achievements (que no final a gente decidiu cortar pq ficou mais um sistema de achievements do que uma paródia)“.
4 – Qual sua Creepy Pasta de jogos favorita?
“Porra, difícil essa porque eu amo creepypasta. Acho que pelo a do Ben Drowned né?! O “Bem Feito” tem muito do Ben Drowned“.
5 – Que dicas você pode dar para os desenvolvedores de jogos indie no Brasil?
“Acho que pra mim o fator mais importante é o espaço de pertencimento. A gente não é triplo A, não precisa ser e não vai ser. Todo mundo é capaz de desenvolver jogos, basta deixar de lado os paradigmas tortos da indústria mainstream. O teu jogo não precisa ser o próximo Crisis pra ser ótimo, sabe? Pode ser bom do jeito que é. Acho muito importante não tentar chegar num lugar que não precisa (e nem é um lugar saudável). O brasileiro é ótimo em tudo que faz e nossa cultura é incrível. Tem que botar a cara mesmo e fazer o corre.
Outra coisa importante é deixar de lado essa ‘pira’ de ter que usar engine que tá ’em alta’ como a Unity (nada contra). Vários colegas são intimidados por não saberem mexer nela, mas tem tantos outros motores gráficos e não são eles que fazem o jogo, é o desenvolvedor. Não tenha medo de ‘ser amador’ e usar ‘uma engine amadora’ porque eu sou uma eterna amadora com orgulho e olha no que deu“.
6 – Quais são os próximos projetos? Atacar de DJ? Fazer mais jogos?
“Temos três projetos em andamento e, inclusive, tem um sendo feito AGORA chamado ‘Homunculi’. A gente não vai parar de incomodar por um bom tempo [risadas]. O ‘Homunculi’ é uma proposta diferente de jogo, os menus são todos externos, em forma de livretos em pdf. e o jogo em si é quase totalmente despido de interfaces de menu e HUDs/UIs. Aguardem“.
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