Um dos destaques da mostra Um Certain Regard na última edição do Festival de Cannes, PAPICHA, primeiro longa de Mounia Meddour, estreia no Brasil em 31 de outubro com distribuição da Pandora Filmes. O filme, que foi selecionado pela Argélia para concorrer a uma indicação na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2020, acompanha a trajetória da jovem Nedjma logo após o início da Guerra Civil da Argélia, que durou de 1991 a 2002.
Nedjma é uma estudante universitária, apaixonada por moda. Seu sonho é realizar um desfile com uma coleção inteira desenvolvida por ela. Mas, com o extremismo tomando força e o país tornando-se cada vez mais conservador, ela precisará lutar para manter sua liberdade e independência e ter seu lugar no mundo respeitado.
“Num filme, eu gosto que os espectadores se identifiquem com os personagens e os sigam em suas aventuras; gosto de ver como superam obstáculos e tragédias e se tornam pessoas melhores”, explica a diretora. “Eu queria contar a história dessa jovem que através de sua resistência nos leva a uma jornada cheia de armadilhas, que mostra as múltiplas facetas da sociedade argelina, com amizade, amor e lutas”.
Meddour comenta que PAPICHA é, em parte, uma obra autobiográfica pois ela mesma cursava faculdade num campus como o mostrado no filme e, ao final do primeiro ano, quando tinha 17 anos, sua família precisou deixar a Argélia, pois intelectuais e artistas estavam sendo ameaçados e seu pai era um cineasta. “Todas as experiências da protagonista na universidade representam o dia-a-dia das estudantes argelianas no final dos anos 90. Incluindo eu mesma. Com o fundamentalismo em ascensão, a opressão vinha de todos os lados”, comenta. “Muitas garotas se esforçam muito para chegar à universidade e morar no campus, para estudar, claro, mas também para ter um pouco de liberdade, fugindo do domínio de sua família”.
A ideia do roteiro, também assinado por Meddour, já existia há tempos, mas foi preciso que ela se sentisse confortável e confiante para finalmente levá-lo à tela. “Quando decidi escrevê-lo, escolhi transmitir essa experiência de maneira ficcional. Mas, eu queria ser fiel aos detalhes, às memórias e à música daquela época”.
Na construção do filme, uma preocupação da realizadora era o quão longe poderia ir em relação à violência. “Nós comprimimos uma evolução que levou anos a apenas algumas semanas”, diz. Para representar essa opressão, o campus da universidade funciona como um microcosmo da sociedade. “Há uma graduação no filme: os cartazes fora do campus, depois no campus e no fim até na sala de jantar. E depois a patrulha de mulheres em hijab, que invadem o quarto das garotas para vigiá-las”, completa.
A paixão de Nedjma por moda tem uma dimensão simbólica para a diretora: “o que os fundamentalistas queriam era que as mulheres escondessem seus corpos. Para mim, a moda, que revela e embeleza os corpos, é uma resistência aos lenços pretos”. E completa: “Nedjma não é contra a religião, ela está lutando contra os abusos cometidos em nome da fé”.
O tema continua sendo delicado no país, especialmente para as autoridades. “A Argélia não esqueceu o trauma da ‘década negra’, mas as pessoas precisam exorcizar esse drama – mesmo vinte anos depois. Tiramos lições da história, afinal houve mais de 150 mil mortes. Atualmente, as queixas não são mais religiosas, as pessoas querem apenas ter uma vida melhor”, finaliza.
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