Memórias da Chuva - cena do documentário cearense Memórias da Chuva - cena do documentário cearense

Memórias da Chuva: doc CEARENSE faz sua estreia em Gramado

A produção cearense Memórias da Chuva (2023), dirigida por Wolney Oliveira, terá a sua estreia mundial na competição de longas-metragens documentais do 51º Festival de Cinema de Gramado, que acontece entre os dias 11 e 19 de agosto na serra gaúcha. O filme revisita a história da construção do Açude Castanhão, projetado para garantir recursos hídricos para Fortaleza (CE) e região metropolitana, e o consequente deslocamento da população da cidade de Jaguaribara, que foi demolida para dar lugar à barragem, para um novo espaço de habitação.

Memórias da Chuva é narrado pelo ponto de vista dos moradores da cidade e utiliza entrevistas e imagens de arquivo produzidas por eles no decorrer dos anos. O material reunido apresenta os impactos sociais, políticos, econômicos, ambientais e afetivos causados pelo ambicioso projeto governamental que, desde os anos 80, já indicava a submersão de Jaguaribara. Nessa época, os moradores se uniram na formação de uma frente de resistência para tentar impedir o projeto. A criação de uma cidade substituta, a primeira planejada do Ceará, surgiu como uma demanda dessa articulação popular, já que a proposta original previa apenas indenizar os moradores pela remoção. Assista ao trailer:

https://vimeo.com/829431089

O Castanhão, a Nova Jaguaribara e o canal de integração que leva água para Fortaleza começaram a ser construídos em 1995, mas foi apenas em 2001 que as pessoas foram definitivamente deslocadas para suas novas moradas. Mais de 20 anos depois, o filme desperta as memórias do povo jaguaribarense e discute a relação de pertencimento com a cidade do passado e a do presente. Memórias da Chuva é o único longa-metragem nordestino na competição de documentários do Festival de Cinema de Gramado e será exibido na noite do dia 14 de agosto, no Palácio dos Festivais, com a presença do diretor e de parte da equipe que colaborou com a obra.

Para o cineasta Wolney Oliveira, o documentário se propõe a dar voz a pessoas que dificilmente são ouvidas ou que foram ouvidas pontualmente. “Foi uma emergência e o governo teve que tomar uma decisão polêmica, como são decisões que envolvem dizimar uma cidade histórica como era Jaguaribara. A interferência na vida de mais de 9 mil pessoas teve grande repercussão na mídia local e nacional, o que me interessou como cineasta. Em 2017, o Castanhão estava com 5% de água e Fortaleza perto de um colapso, então eu montei uma equipe por conta própria e banquei as primeiras gravações. Em 2018, o açude chegou a 2,5% e voltamos para filmar. Fiz algumas amizades lá, como o Valvernagues Almeida, um dos entrevistados, que é o Lumière da cidade. O filme aprofunda essas questões, analisa e recupera uma história que estava contada em livros e matérias de jornais, mas ainda não estava contada em um longa-metragem”, diz o diretor.

A pesquisa do filme foi realizada pela cientista social Mayara Magalhães, que trabalhou de forma coletiva com os produtores para coletar os arquivos e localizar os personagens essenciais para as entrevistas. “O filme conta uma história recente, que aconteceu em um momento de fácil acesso às câmeras domésticas. Por isso, os jaguaribarenses conseguiram registrar momentos importantes de forma amadora. Tinha muito material disponível, tanto de imagens quanto de pesquisas acadêmicas. O Castanhão foi muito divulgado pelo governo porque era uma grande obra não apenas pela engenhosidade, mas também pela importância de ter um açude que teoricamente acabaria com a crise de abastecimento do Ceará. A nova cidade é muito bonita e tem uma ótima estrutura, mas em algum momento tudo que tinha sido planejado para ela não deu certo porque ela não conseguiu se desenvolver e as pessoas ficaram decepcionadas”, afirma a pesquisadora.