Martin Scorsese é um dos poucos cineastas da velha guarda que continua em atividade e que faz seus filmes exatamente do mesmo jeito que sempre fez. Sendo um dos maiores apaixonados por cinema de todos os tempos, não é surpresa que o diretor não esteja muito feliz com a forma com que as pessoas produzem, assistem e discutem aquilo que assistem na telona.
Em um artigo escrito para o THR, Scorsese criticou duramente o Rotten Tomatoes e o Cinemascore:
Empresas de pesquisa como o Cinemascore, que começaram nos anos 70, e “agregadores” online como o Rotten Tomatoes não têm nada a ver com crítica cinematográfica de verdade. Eles mostram a nota de um filme da mesma maneira que alguém daria uma nota para um cavalo numa pista de corrida, um restaurante no guia Zagat ou uma aplicação financeira no Consumer Reports. Eles tem tudo a ver com o mercado de cinema e nada a ver com a criação e a apreciação inteligente de um filme. O cineasta é reduzido a um produtor de conteúdo e o espectador a um consumidor acomodado.
Essas empresas e agregadores impuseram uma forma de trabalho que é hostil a cineastas de verdade — até mesmo o nome Rotten Tomatoes* é ofensivo. Críticas cinematográficas escritas por pessoas apaixonadas e com conhecimento real de história do cinema saíram de cena e parece que hoje em dia temos mais e mais vozes que estão engajadas em apenas julgamento puro, pessoas que ficam felizes em ver filmes e diretores sendo rejeitados, reduzidos e destruídos.
(*Tomates Podres)
Além de criticar a forma com que o público consome cinema e crítica cinematográfica, Scorsese também alfinetou a obsessão dos espectadores e de parte da mídia em explorar a bilheteria dos filmes:
Existe outra mudança que, pelo que eu acredito, não tem nenhum lado bom. Começou nos anos 80 quando os números de bilheteria começaram a se tornar a obsessão que são hoje. Quando eu era jovem, notícias de bilheteria se restringiam a jornais da indústria como o THR. Hoje, eu temo que eles se tornaram…tudo. A bilheteria é a base de quase todas as discussões sobre cinema e frequentemente se tornam mais do que apenas a base. O julgamento brutal que fez com que a arrecadação da estreia dos filmes se tornasse um esporte para um espectador sedento de sangue encorajou esses tipos de críticas.
Diferentemente de outros cineastas que criticam o Rotten Tomatoes, Scorsese quis focar no que as análises dos filmes ali representam em vez de acusar o site de prejudicar a bilheteria — algo que já foi provado que não acontece. O diretor de O Lobo de Wall Street entrou em uma linha de pensamento que vai contra a corrente atual da indústria, em que as críticas são algo determinante para o público decidir ou não se vai assistir a um filme.
O principal argumento que sustenta esse tipo de visão sobre a crítica é o preço do ingresso: essa parte do público diz que com os preços altos dos ingressos é melhor selecionar minuciosamente o que se assistir. Outro ponto usado é o tempo — com um cotidiano cada vez mais atarefado, essa parcela dos espectadores prefere ter certeza do que vai assistir para não correr o risco de não gostar do que viu.
Alguns diretores (como Scorsese) e jornalistas preferem encarar por outra perspectiva: a de que a crítica é mais do que um guia de consumo e sim uma ferramenta de análise artística e que não deveria ser fator determinante na decisão do público de ver ou não alguma obra.
O diretor encerra seus argumentos lembrando que alguns dos maiores clássicos foram fracassos de bilheteria em suas épocas:
Bons filmes feitos por cineastas de verdade não foram feitos para serem decodificados, consumidos ou entendidos imediatamente. Eles não foram feitos nem para serem gostados imediatamente. Eles foram feitos porque a pessoa atrás da câmera precisava fazer eles. Qualquer pessoa familiar com a história do cinema sabe muito bem que existe uma lista longa de títulos — O Mágico de Oz, A Felicidade Não se Compra, Um Corpo que Cai e À Queima Roupa, para nomear alguns — que foram rejeitados na época em que foram lançados e viraram clássicos. Notas do Tomatometer e do Cinemascore vão desaparecer logo. Ou talvez sejam ofuscadas por algo ainda pior.
Atualmente Scorsese está trabalhando em The Irishman, filme que chega na Netflix em 2019.